Marcelo Dilla (*)
No início dos anos 80, participei como guitarrista da Orquestra Carlos Gomes, com sede no Bairro Calafate em Belo Horizonte. A orquestra era, naquela época, a organização musical mais antiga da capital mineira, sendo até mais antiga do que a própria cidade.
A Orquestra Carlos Gomes foi fundada por trabalhadores músicos que participaram da construção da nossa capital. Quando lá estive, os músicos mais velhos da orquestra eram filhos dos pioneiros de Belo Horizonte.
Um desses músicos me contou que seu pai quando morreu, antes da inauguração de BH, o corpo havia sido enterrado em uma área do entorno de uma pequena capela, onde depois, seria erguida, com o estilo colonial,. Na verdade ali, ao redor daquela pequena capela, era o único local onde poderiam ser enterrados os operários (e seus familiares) que participaram da fase de construção de Belo Horizonte.
Os padres que dirigiam a capela reivindicaram junto aos políticos e aos construtores, a construção naquela local da Igreja da Matriz do Arraial do Curral Del Rey, sem corpos enterrados por lá. Próximo à inauguração da capital, foi sugerida a construção do primeiro cemitério da cidade, que foi batizado de Bonfim, inaugurado 10 meses antes da nova cidade.
Nessa época, houve uma “grande confusão” entre construtores, padres e familiares de dezenas de mortos, que jaziam em covas rasas no adro da capela, pois as famílias consideravam que desenterrar os mortos, mesmo que fosse para transferência dos restos mortais para outro cemitério, era uma “afronta” ao espírito e que as almas não teriam mais sossego. Depois de meses de polêmica, os restos mortais foram enfim, transferidos para o novo Cemitério do Bonfim.
Reza a lenda, que a cena dos corpos sendo retirados das covas rasas causou pânico, revolta e muita tristeza nos parentes. Até uma frase foi criada naquele momento para a despedida dos corpos: “boa viagem”.
Então, em 12 de dezembro de 1887, a capela foi derrubada para a construção da nova igreja em estilo colonial e sem cemitério. O novo templo passou a se chamar Igreja da Boa Viagem do Curral Del Rey. Para não gerar polêmica quanto ao nome “Boa Viagem”, padres daquela época alegaram que a Igreja Católica já cultuava Nossa Senhora da Boa Viagem, antes da transferência dos corpos ali sepultados.
Porém, mesmo depois de Belo Horizonte ser inaugurada, a história da Igreja da Boa Viagem parecia não ter fim. Nos anos 20, naquele local polêmico, mais uma vez resolveram trocar a sua localização, demolindo o então templo no estilo colônia para dar lugar a outro bem maior e mais imponente, no estilo neogótico. Ela seria mais do que uma simples igreja, mas uma catedral. Em 1932, foi então oficialmente inaugurado aquele grande e lindo templo, com o imponente nome de Catedral de Nossa Senhora da Boa Viagem, depois de quase 50 anos de polêmica e tristezas.
(*) Marcelo Dilla é cronista, autor do livro “100 Casos, Sem Fakes” e guitarrista e vocalista da banda Creedence Cover