Dizendo-se ameaçado pelo aumento constante das importações de aço, o setor siderúrgico brasileiro, por meio do Instituto Aço Brasil, pediu reunião emergencial com os ministros Geraldo Alckmin, do MDIC, e Fernando Haddad, da Fazenda. O objetivo é falar de medidas que possam, ao menos, num primeiro momento, amenizar a situação, que consideram preocupante à indústria.
Os representantes da siderurgia no país, que se reuniram na semana passada para debater o tema após a entrada de aço subir 78% em julho – a maioria da China –, consideram como relevante o retorno das alíquotas de importação ao nível anterior às duas baixas feitas em 2021 e 2022, que somaram 20%. Eram de 12% para a maioria de produtos siderúrgicos.
“A situação fica mais preocupante quando o México, na semana passada, elevou suas tarifas de 15% para 25%, se igualando ao mesmo patamar dos EUA, com a seção 232 de Donald Trump, em 2018”, diz Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Aço Brasil. Segundo ele, com essa barreira ampliada dentro do Nafta mais salvaguardas da União Europeia, o aço chinês e de outros países vão buscar mercados de defesa comercial fraca, caso do Brasil, com alíquota de 9,6%.
“O mercado interno está fraco e as exportações têm dificuldade de crescer, enquanto as importações estão em forte alta, beneficiadas por câmbio, preços baixos lá fora e excesso de oferta chinesa e mundial” avalia Lopes. O setor, informa ele, está operando com capacidade ociosa na faixa de 40%. “Uma aposta para ocupar capacidade era exportar, mas não encontra espaço devido ao excesso”.
Lopes informa ao Valor que, após as revisões de projeções de demanda e consumo para o ano feitas pelo Aço Brasil em abril e julho, uma terceira estimativa acaba de indicar um volume mais crítico: 4,61 milhões de toneladas de material importado previstas para 2023. Em julho, eram 4,2 milhões. A fatia do importado no consumo aparente pode atingir 19% ao final do ano, só inferior aos 20% de 2010, quando o PIB do país crescia acima de 7%. “Não é o que vemos hoje no país”, diz.
“O que vemos pela frente é um iceberg: importações diretas e indiretas (produtos transformados, como máquinas) somando 9 milhões de toneladas. Isso equivale à produção de duas Usiminas”.
Do aço que entrou no país este ano, até julho, 52,2% vêm da China. Mais 18% de outros países da Ásia. “A China vinha exportando ao nível de 40 milhões de toneladas alguns anos atrás, agora já beira 100 milhões anualizadas”, diz Lopes.
Ao avaliar diferentes tipos de produtos laminados, o Aço Brasil constatou que a taxa de penetração do importado vai de 15,8% na bobina a frio até 32% nos produtos revestidos (galvanizados), com destaque para chapas de ligas de alumínio-zinco (65,3%). Chapas e bobinas inoxidáveis, 37%; tubos sem costura, 42,3%.
Lopes cita o desaquecimento da demanda interna chinesa como propulsor para buscar outros mercados, mantendo seu ritmo de produção. E a China, aponta, continua sendo o maior gerador de excesso de oferta de aço no mundo, e ainda alavanca países satélites na Ásia, com projetos de usinas chinesas -são 66 milhões de toneladas.
Conforme dados da Bloomberg e do UBS, em maio embarques líquidos de aço chinês (menos importação) estavam ao ritmo anual de 92 milhões de toneladas. Em setembro de 2022 eram de 50 milhões de toneladas. As informações indicam que vão se manter firmes neste trimestre devido aos altos estoques nas usinas e à firme produção que vêm mantendo.
O cenário projetado há um mês para o aço no mercado brasileiro era este: queda de produção de 5% (antes, alta de 2%) e de 6% nas vendas locais (antes, -0,7%), reversão de mais 7,6% nas exportações para menos 0,3% e consumo aparente, de recuo de 1% para 2,6%. Para as importações, a previsão passou de 2,5% de alta para 25,6%. A nova revisão tem mais 400 mil toneladas.
O consumo de aço no país patina há mais de 40 anos – em 1980, era de 100 kg per capita. A previsão de 2023 é de 105,9 kg, bem abaixo de países como Chile, Argentina e México. “Crescemos apenas 5% desde 1980 e o consumo está fortemente concentrado (84%) em três setores – construção, automotivo e bens de capital”. Um alto grau de dependência, que é risco ao setor em períodos de crise econômica.
A avaliação é que o mundo todo está se protegendo. EUA fizeram uma escolha, sob críticas, mas fizeram: alegaram “segurança nacional” para impor sobretaxa de 25%. No Brasil, uma atitude assim das autoridades de comércio exterior é quase impensável, mas o Aço Brasil considera que uma salvaguarda emergencial, por período provisório, é plausível, para garantir defesa comercial neste que veem como cenário crítico.
“Há uma situação emergencial que precisa ser tratada no governo”, diz Lopes. Ele observa que o país atua conforme os instrumentos reconhecidos pela OMC (Organização Mundial do Comércio): ações antidumping, medidas anti-subsídios e salvaguardas. A decisão precisa ser amparada na Letec (lista de 100 produtos que não requer autorização do Mercosul).
Mas dois casos de ação antidumping e medida anti-subsídio, abertos em 2016 – para aço laminado plano a quente –, não foram implementados pelo governo brasileiro, apesar da constatação do dano comercial ao produto nacional. O primeiro contra material de Rússia e China; o segundo, só da China. Ambos tiveram seus direitos de aplicabilidade de medidas suspensos pela Secretaria de Comércio Exterior e encerrados entre os anos de 2018 e 2022. Alegação: “razões de interesse público”.
Questionou-se se os “potenciais ganhos” chegaram ao consumidor quando foi comprar bens eletrodomésticos, automóveis, máquinas ou um imóvel, a preço mais baixo. Ou se o principal beneficiado foram grupos importadores.
Lopes defende que a siderurgia é estratégica ao país. “É a base da indústria como um todo, de máquinas, equipamentos, implementos agrícolas e torres elétricas”. Aponta os investimentos previstos de US$ 2,5 bilhões ao ano e geração de 130 mil empregos diretos e milhões na cadeia produtiva. Mas consumidores reclamam de preços bem mais elevados do aço local em relação ao de outros países.
“É fundamental, como prioridade do país, a retomada do crescimento econômico e a recuperação da competitividade sistêmica (redução do Custo Brasil, reforma tributária…)”, rebate ele. “Não temos problema de oferta, o que falta é maior demanda no país”, afirma.