Por Walter Biancardine (*)
Os mais velhos, como eu, certamente sofrerão engulhos ao lembrarem da cobertura jornalística das eleições nos anos 80, feita pela Rede Globo, a qual repetia de maneira incessante em suas vinhetas: “Eleições, a festa da democracia!”
O que vemos hoje é que a tal “festa” degenerou-se em uma bacanal ideológica e, pior, totalitária. Não há outra definição que encampe a incrível primariedade de um eleitorado que se encanta por personagens, e não por ideias. Não há outra maneira de traduzir um vergonhoso – e secreto – sistema de apuração de votos, cuja única garantia de lisura é a palavra de alguns ministros.
No Rio Grande do Sul temos no segundo turno, por exemplo, a disputa entre Sebastião Melo (MDB) e Maria do Rosário (PT). A vantagem do candidato emedebista sobre a segunda colocada é pequena e, se levarmos em conta a legião de partidos esquerdistas que disputaram o primeiro turno – e cujos votos irão diretamente para a candidata petista – já podemos considerar Maria do Rosário eleita para governar Porto Alegre. Fica a pergunta: onde estão demais partidos conservadores? Infelizmente sabemos que não há nenhum sequer, em todo o Brasil. E por quê não há? Porque assim o permitimos, com nossa omissão e ausência nas ruas.
A esquerda aceita – e mesmo preconiza como estratégia de poder – sua divisão em facções. Temos assim o PT, PCO, PC do B, PSOL e outros que, deste modo, preenchem todo o leque de opções oferecidas ao eleitor, que pouco se importa com questões ideológicas e mais preocupa-se com o milheiro de tijolos, que o candidato prometeu, junto com um emprego para seu filho.
Já a direita acusa, sem pestanejar, quaisquer candidatos alternativos como “traidores” ou “comuno-globalistas”, disfarçados sob pele de cordeiro – e não deixa de ter certa razão. Usemos, pois, os exemplos de Pablo Marçal e a decepção com as declarações do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas: a recente e decisiva publicação nas redes sociais, por parte do “coach” Marçal, de um laudo grosseiramente falsificado, evidencia não apenas o caráter do mesmo como aponta, talvez, até mesmo o desejo de “vitimizar-se” e, com esta aparência de “martírio”, apresentar-se para Presidente da República, em 2026 – pretensão que ele já declarou com seu “até 2026!”.
Já a reação ao fato, por parte do governador Tarcísio de Freitas – “Marçal deveria estar preso!” – chocou os eleitores “de direita”, que não esperavam isso de um dos favoritos de Jair Bolsonaro. Ora, convenhamos: Tarcísio jamais foi conservador, ele é militar e, portanto, positivista – um primo-irmão do esquerdismo. Do mesmo modo Marçal, que arroga-se “conservador”, jamais o foi em tempo algum: a mesma desenvoltura que exibiu, fingindo-se pertencente à maioria, mostraria se esta mesma maioria fosse de esquerda – e como ferrenho defensor de Karl Marx se apresentaria.
A verdade é que o brasileiro médio não faz a menor ideia do que sejam ideologias e até onde isso pode prejudicá-lo. Em seu comportamento de torcedor de futebol, encantou-se com Olavo de Carvalho e seus palavrões, sem prestar a menor atenção nas lições que o filósofo oferecia; o mesmo se deu quanto a Jair Bolsonaro – de berço e criação um boca-suja mas, ao menos autêntico, ao contrário de alguns “cosplayers” por aí.
Bolsonaro há muito abandonou a caserna e a contaminação positivista não prevaleceu sobre ele, pois age e vive tal qual um conservador. O problema se resume ao fato do eleitor médio não conseguir raciocinar e compreender o fato de que, em política, por vezes é preciso agir com pragmatismo – por exemplo, apoiando Ricardo Nunes, uma imposição partidária – e isso, aliado com seus nenhuns conhecimentos ou compreensão da simbiose político-ideológica, os leva ao parafuso irrecuperável da escolha pelo fanatismo pessoal, puro e simples. Incapazes de demonizar um homem que quase deu sua vida pelo Brasil, preferem considerar Nunes como “conservador desde criancinha”. O resultado é que nesta gloriosa segunda-feira pós-pleito, já se murmura no X (um amigo me disse) que os eleitores de Marçal devem votar nulo, neste segundo turno.
A verdade é que não existe “direita” no Brasil, apenas um ou outro conservador, desgarrado e solitário, por aí. Não nos compreendemos, não nos ajudamos e, sequer, sabemos o que somos.
A triste sorte do Brasil atual foi selada no dia 15 de novembro de 1889, quando militares positivistas depuseram um Imperador amado pelo povo e instituíram o pensamento de Augusto Comte – e tal fato abriu todas as simpatias e compreensões ao esquerdismo pós-1922.
Se o último parágrafo não faz sentido ao leitor, isto já mostra uma das razões de nosso estado atual.