Por Walter Biancardine (*)
Todos aclamam a fragorosa derrota petista nestas últimas eleições municipais, esquisitamente “federalizadas” pela senilidade ansiosa de um alcoólatra; uns aplaudem a direita como vitoriosa enquanto outros resmungam que o vencedor teria sido, na realidade, o “centrão” – sustentáculo político da atual ditadura brasileira.
É preciso valer-se de uma peneira de tal sorte fina – e fora do alcance do eleitorado comum – para perceber que vivemos uma completa mistura de realidades, buscando conceitos ideológicos por demais difusos, imprecisos, e taxando de “traíras” pessoas que, por suas circunstâncias partidárias, veem-se obrigadas a engolir acordos alienígenas às suas convicções.
Podemos exemplificar, indo da granulação mais grossa de tal peneira até a mais fina: necessária foi a bordoada de um Pablo Marçal – exaustivamente antecipada por mim nesta coluna – para que o paulistano compreendesse tratar-se de mero (mas talentoso) oportunista megalomaníaco.
Temos a seguir a situação de um Tarcísio de Freitas que, moldado por uma vida em quartéis, resultará em um excelente gestor, competente, apegado a conceitos familiares mas – mas! – que, em sua essência, é positivista, um pensamento perfeitamente permeável aos conceitos esquerdistas.
No meio do caminho e por vicissitudes exclusivamente partidárias temos Jair Bolsonaro. O partido – leia-se Valdemar da Costa Neto – o fez apoiar Ricardo Nunes, embora intimamente repugnado. O máximo que conseguiu foi empurrar um vice em tal chapa, e seja o que Deus quiser – mas todos sabemos que Bolsonaro, embora militar como Tarcísio, “purificou-se” da peste positivista por anos e anos de vivência parlamentar e por eventuais, mas preciosos, contatos à distância com o filósofo Olavo de Carvalho.
Hoje, Bolsonaro é a epítome do conservadorismo no Brasil e, por isso, arrasta multidões por onde vai, apesar de ter sido obrigado a engolir os acordos de Valdemar.
Quase chegando na granulação mais fina da citada peneira temos Sua Alteza, o Príncipe Luís Phillipe de Orleans e Bragança e o deputado Marcelo Van Hatten, cujos pensamentos claramente liberais – menos Estado, menos impostos, etc. – os aproximam bastante dos ideais conservadores. Se nem de longe podemos acusá-los de esquerdismo, também não conseguiremos encaixá-los com a devida perfeição à totalidade dos parâmetros conservadores – e sobre tais parâmetros comentarei mais abaixo.
Por último e adequando-se perfeitamente a tudo o que imaginamos ser o conservadorismo, encontra-se o deputado Nikolas Ferreira. Cristão, excelente formação cultural, coerente com seus ideais e sem nenhuma intenção de abrir mão dos mesmos, ainda que pressionado pelo peso de acordos partidários. Eventuais erros que cometeu – e poderíamos citá-los – devem-se muito mais à sua juventude e inexperiência do que a quaisquer acordos políticos. E podem escrever: este rapaz será, um dia, o Presidente do Brasil.
Finalizo afirmando que o próprio brasileiro médio, cristão e conservador, não sabe exatamente o que é o conservadorismo – e tal absurdo é fácil de explicar, já que o mesmo não é uma ideologia e aponta diretamente ao desejo majoritário de que tudo continue a ser como sempre foi, sem saltos revolucionários ou mudanças vertiginosas, da noite para o dia. O que for bom conservaremos, o que for mal, mudaremos ou extirparemos. De resto, o natural progresso humano nos levará a dias melhores.
Aluno que fui do COF (Curso Online de Filosofia), do professor e filósofo Olavo de Carvalho, perguntei-lhe em uma aula por quê jamais se dispusera a escrever algo definidor do conservadorismo – tal como Karl Marx o fez em seu comunismo – e sua resposta foi: “por que sou um filósofo, não um ideólogo! Se um filósofo possuir ideologias, quaisquer que sejam, seus pensamentos serão inevitavelmente contaminados e influenciados por ela, p*rra!”
Restou-me abaixar a cabeça e, humildemente, concordar.
Embora concordando com sua lógica irrefutável, jamais enxerguei o conservadorismo como uma ideologia, pois nada promete e nem oferece “mundos melhores” ou “uma nova vida”. Nada. Apenas trata-se de um senso comum, e isso fez-me constatar que toda e qualquer ideologia é apenas uma muleta – socialmente aceitável – para a imposição e normalização dos desejos de poder, taras, perversões, recalques e complexos, personalíssimos do ideólogo ou do pequeno grupo que, inicialmente, o apoia.
Ainda assim, mesmo reconhecendo a imundície que é toda ideologia, atrevo-me a desejar que algum pensador de porte, cérebro e formação potentes, atreva-se a elaborar um “Manifesto Conservador” para que o povo possa guiar-se, sabendo perfeitamente o quê apoia e tendo ferramentas para identificar os eventuais oportunistas, aventureiros que sempre lançam mão, nas palavras de D. João VI.
Quem se habilita?