Por Walter Biancardine (*)
Não devo aqui relatar saudosismos, apenas constatar o fato de vivermos em tempos sombrios que são povoados por pessoas igualmente sombrias, disfarçando suas angústias e fracassos em ostensivos sinais da alienação coletiva, “tirando onda”.
Gargalhe, brasileiro, em seu churrasco de hoje. Beba o quanto puder, coma o quanto couber, assedie a cunhada de micro shorts e ponha sua coleção de pagodes e funks “batidão” a todo volume, para ensurdecer a vizinhança e provar para todos como você é feliz e despreocupado.
Despreocupado? Com o país do jeito que está?
Sim, porque você é “malandro”, você é “esperto”, tem conchavos na firma em que trabalha e tira um por fora coberto pelo supervisor, que é “fechamento” seu. Para que se aborrecer com prisões ilegais, censuras, regime ditatorial e roubos de dinheiros que você até já tinha esquecido se isso, na prática, em nada afeta sua vida?
Para que se meter nisso? Tais coisas são “papo de intelectual” metido a “influencer” no YouTube, que está mais a fim é de ficar famoso, ganhar uma grana vendendo cursinhos inúteis e pegar mulher! Se é pra postar, mostre o jet-ski que seu patrão te emprestou para dar uma volta – é só fotografar-se montado nele, com belas praias ao fundo e “tirar onda” que sua vida é uma maravilha!
Do mesmo jeito encoste, assim como “quem não quer nada”, naquele Jaguar caríssimo estacionado em frente ao seu trabalho – o dono dele deve estar com seu patrão, nem vai ver – e, com um largo sorriso exibindo todos os seus 98 dentes, mostre ao mundo “suas realizações”!
O que importa não é estar bem, mas sim “tirar onda”, parecer estar bem sem jamais ter trabalhado para isso – e que se dane esse país de M…, onde todos enganam a todos e passam-se a perna mutuamente! Você, que é “esperto”, já percebeu que ninguém vale nada, então para quê trabalhar e se esforçar?
Discutir política? Para quê, meu Deus do céu? Nada vai mudar, são todos farinha do mesmo saco! O que importa é conseguir, com o candidato a vereador, aquelas telhas e o cimento que falta para bater sua laje; tem mais é que “levar vantagem” e pegar isso deles, mesmo – já vão te roubar quando assumirem, então tome antes! E que ninguém fale mal de meu Vasco da Gama, não discuto política, religião e futebol!
É por isso que você nem quer saber de política: o que importa é chegar o fim de semana, fazer o churrasco no domingo, rir, gargalhar, esquecer, alienar-se, afundar-se, dopar-se, fazer qualquer coisa para apagar sua própria ignorância – afinal, estudar é coisa de mulherzinha ou boiola – e sua vida miserável atual, dependente de vale gás, bolsa-família, vale-transporte, auxílio-refeição e morando em uma casa que sequer possui emboço na fachada – afinal você é “esperto” e sabe que, se emboçar, terá de pagar IPTU.
Ria, gargalhe, veja os mais suculentos traseiros no Tik Tok, embebede-se, escute o “proibidão”, coma até entupir e beba até que, ao final da tarde, boca azeda de cerveja barata, você se deite no sofá e só acorde na hora de dormir – “Domingo: vai começar o Fantástico!”.
Final do ano tem Big Brother, aparecerão aquelas mulheres maravilhosas mostrando tudo e para não dizerem que sou alienado, sempre fico sabendo das coisas vendo o Jornal Nacional e lendo, emprestado, a página de esportes do Extra.
Uma vida maravilhosa, o Brasil só deu errado por causa dessa cambada de vagabundos, aí. Tudo ladrão.
De quem será a culpa?
(*) Walter Biancardine é jornalista, analista político e escritor. Foi aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, autor de três livros e trabalhou em jornais, revistas, rádios e canais de televisão na Região dos Lagos, Rio de Janeiro