Um vídeo gravado a bordo da estação espacial chinesa Tiangong tem circulado nas redes sociais e gerado interpretações equivocadas sobre as condições de gravidade no espaço. A imagem mostra um copo com água aparentemente imóvel sobre uma superfície plana, o que levou internautas a questionarem a autenticidade do experimento e, por extensão, das missões espaciais tripuladas.
Nas publicações, muitos usuários alegam que, em ambiente de microgravidade, a água deveria flutuar em bolhas, como já visto em outras gravações feitas na órbita da Terra. Um comentarista chegou a afirmar que o vídeo “só poderia ter sido gravado na Terra”, enquanto outros sugeriram que a cena foi encenada, com o objetivo de enganar o público.
Entretanto, de acordo com especialistas em física, o comportamento da água exibido no vídeo é compatível com as condições de microgravidade. O fenômeno é explicado pelas forças de coesão e adesão: as moléculas de água se mantêm unidas pela tensão superficial e aderem ao copo mais do que ao ar ao redor. Essa interação faz com que o líquido permaneça estável, mesmo em ambiente sem gravidade significativa.
A gravação integra a série educativa “Tiangong Classroom”, uma iniciativa da agência espacial chinesa que transmite experimentos ao vivo diretamente da estação para estudantes na Terra. Neste episódio, os taikonautas — como são chamados os astronautas chineses — demonstravam como a flutuabilidade se comporta no espaço usando uma bola de pingue-pongue submersa em água.
Bastidores divulgados na rede social chinesa Weibo mostram que o copo foi preenchido com uma seringa e fixado com velcro à superfície da mesa, garantindo que permanecesse no lugar durante o experimento. Apesar disso, o trecho foi descontextualizado ao ser compartilhado em redes ocidentais, onde passou a alimentar teorias da conspiração.
O episódio também ganhou um novo contorno após a ferramenta de inteligência artificial Grok, desenvolvida pela empresa de Elon Musk, emitir respostas imprecisas sobre o fenômeno. A IA afirmou que “a água flutuaria para fora do copo”, o que contribuiu para a disseminação de interpretações equivocadas.
Para especialistas, a controvérsia revela como lacunas no conhecimento científico básico podem ser exploradas por desinformação nas redes. Molly Silk, pesquisadora da Universidade de Manchester, afirmou que “é extremamente improvável que o vídeo tenha sido falsificado”, destacando que a própria existência da estação espacial Tiangong já foi confirmada por agências internacionais, inclusive dos Estados Unidos.
Silk também ressaltou os avanços do programa espacial chinês, que recentemente completou com sucesso a missão Chang’e-6, trazendo amostras do lado oculto da Lua, além de pousar sondas em Marte. Segundo a pesquisadora, a ideia de que a China precisaria forjar experimentos em sua estação espacial é “cientificamente e geopoliticamente implausível”.
Desde sua inauguração em 2021, a estação Tiangong tem abrigado diversas tripulações e promovido atividades com foco em pesquisa científica e divulgação educacional. A repercussão do vídeo evidencia como conteúdos descontextualizados podem ser usados para desacreditar iniciativas legítimas — e como, em tempos de informação instantânea, a ciência ainda precisa ser explicada com paciência.