A convite da Fiemg, o corpo científico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) participou, nessa segunda-feira (21), de reunião com as lideranças mineiras do setor produtivo. O objetivo foi discutir o avanço da Covid-19 e as perspectivas reais de uma vacina.
“A ideia é que o setor produtivo entenda como está sendo realizada a produção da vacina e como será a distribuição e o público prioritário”, afirmou Flávio Roscoe, presidente da Fiemg, ao abrir a reunião. O líder empresarial destacou que a Fiocruz é uma das mais importantes instituições de ciência e tecnologia da América Latina. “É importante que se compartilhe este conhecimento”, ressaltou.
O empresário destacou que Minas Gerais está em curva ascendente e que todos, não apenas o setor produtivo, estão preocupados. “A única solução, a longo prazo, é a vacina”, afirmou. Segundo Roscoe, a Fiemg, encabeçando o setor industrial, vem fazendo um trabalho junto com a empresa Covaxx, uma unidade da United Biomedical, empresa internacional com unidades nos EUA, China e Taiwan, no desenvolvimento da vacina UB-612.
A UB-612 terá estudos clínicos no Brasil, conduzidos pelo laboratório Diagnósticos da América (Dasa). “Já foram investidos R$15 milhões, mobilizados pela Federação, e já estão reservados 50 milhões de doses para o Brasil, que serão distribuídas de acordo com o Ministério da Saúde”, esclareceu.
Segundo Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz Nacional, tradicionalmente, todo o processo de desenvolvimento e aprovação de uma vacina levaria 10 anos. Entretanto, devido a situação nova e das duras consequências, o processo está sendo feito em tempo recorde, mas sem perder o rigor científico e o controle de qualidade.
“Nossos principais desafios foram lidar com as lacunas de conhecimento de uma nova doença, a aceleração da fase de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e estudos clínicos, a possibilidade de alternativas seguras para o registro em caso de emergência e o escalonamento e antecipação de produção”, afirmou o vice-presidente da Fiocruz.
Krieger explicou que a entidade vem acompanhando o desenvolvimento de várias vacinas, algumas que já estavam em teste clínico, após 150 dias de liberação do DNA do novo coronavírus. A opção da Fiocruz foi pela vacina desenvolvida pela desenvolvida pela Universidade de Oxford e produzida ela biofarmacêutica AstraZeneca. “Celebrado em agosto, o acordo assegura a transferência total da tecnologia”, explica, pontuando a escolha da AstraZeneca foi pautada na qualidade, tecnologia, capacidade produtiva e vantagens logísticas. Segundo ele, no segundo semestre de 2021 serão entregues 110 milhões de doses, mas que não é possível precisar ainda qual será o tempo desta imunização e que, em um primeiro momento, crianças e adolescentes não serão priorizados.
Zélia Profeta, diretora da Fiocruz Minas Gerais, pontuou a importância do diálogo com o setor privado, para potencializar a inovação no país. “Durante esta crise, percebemos quais as nossas dificuldades e dependências de insumos. Precisamos fortalecer esse setor e a iniciativa privada precisa fazer parte disso”, disse contando que a Fiocruz está presente em 10 estados do país e que trabalham no formato de rede. O estado de Minas Gerais é o que mais tem instituições de tecnologia fora da capital e que atuam nas mais diversas áreas.
Vacler Rangel, chefe de gabinete da Presidência da Fiocruz Nacional, endossou as palavras de Profeta: “Essa articulação entre os setores públicos e privado é importante para ampliar e fortalecer os laços entre as instituições”. Segundo Rangel, a reunião, que teve o intuito de esclarecer dúvidas do setor industrial, é essencial para combater fakes news, principalmente as que propagam soluções milagrosas e rápidas. “Mesmo com a disponibilização da vacina, os protocolos de segurança, como o uso de máscaras e higiene das mãos, permanecerão”, afirmou. “As contrainformações se espalham de maneira muito rápida e a vacinação não será um alvará de soltura”.
Rômulo Paes, pesquisador em políticas públicas da Fiocruz MG, apresentou o painel “Combate à Covid-19: desafios e possibilidades”. Segundo o pesquisador, estamos passando por um momento grave da pandemia no mundo, com crescimentos consideráveis, mas, devido as especificidades de cada região, o comportamento do vírus é distinto. “A divisão de primeira e segunda onda se aplica na Europa, na Ásia e Oriente Médio, onde tiveram até três picos”, disse, lembrando que, entre a população norte-americana acima de 80 anos, a Covid-19 foi a segunda causa de mortes em 2020 e que em outras partes do mundo se pode observar o mesmo.
Segundo Paes, ainda existem muitas incertezas sobre o assunto, como por que algumas pessoas adoecem e outras não, os efeitos a longo prazo da doença e se após a pandemia o vírus continuará circulando, dentre outras. O pesquisador apresentou as principais características da pandemia no Brasil e em Minas.
No plano nacional, destacou pontos como a sincronização das curvas epidêmicas após a fase de expansão e interiorização, a dinâmica ascendente da doença, de maneira uniforme em vários locais ao mesmo tempo, e a possibilidade, de nos próximos meses, ocorrer a busca simultânea de assistência especializada, tanto nas capitais, quanto no interior, podendo causar o colapso do sistema de saúde. “Passamos por momentos de articulação de unidades de UTIs, para depois ocorrer a desarticulação. A tendência agora é que essa mobilização seja necessária novamente, devido a pressão por causa de leitos”.
Para o pesquisador, em se tratando de Minas Gerais, Belo Horizonte conseguiu fazer uma gestão mais habilidosa, controlando o espalhamento da doença. Ele ainda pontuou que o estado tem alguns desafios vindouros, como melhorar a vigilância à saúde, reduzir a dependência tecnológica, melhorar a governança interinstitucional e as plataformas para treinamentos de profissionais no enfrentamento de emergência sanitárias.
Erika Morreale, advogada Trabalhista Empresarial e presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Fiemg, finalizou o encontro fazendo dois pedidos à Diretoria Científica da Fiocruz. “Mantenham o diálogo aberto conosco, já que o está sendo atualizado de acordo com a sua evolução. O outro, é que a Fundação participe de todos os estudos, de todas as discussões, para que sejam adotados critérios para que a lista de prioridades possa reduzir, efetivamente, a transmissibilidade da doença”, solicitou, salientando que isso é muito importante para as atividades econômicas não sejam afetadas ainda mais.