Francisco Assis de Souza Castro (Jeremias de Castro)
Quando criança, havia uma árvore que se distinguia das outras em uma mata fronteiriça à tapera onde morávamos. Do morro, a casa ainda era a única e a cidade, pequena, deixava os dias passar… lentamente. Pressa? – Quase não existia!
Não fui eu quem a plantou. Ela nasceu lá e pronto. O que posso dizer é que, sempre que podia, eu dava uma ajudinha à natureza. Descobri a planta ainda pequena e a cobri de cuidados. Com gravetos, fiz um cercadinho para protegê-la. Muitas vezes, desviei os caminhos das saúvas para que elas não cortassem as tenras folhinhas para abastecer a despensa… se bem que as danadas às vezes eram mais rápidas. Quando isso acontecia, a plantinha dava o troco e rebrotava com mais intensidade… mais viçosa.
E naqueles passares dos dias ela cresceu… e me ensinou que árvore cresce mais do que gente em todos os sentidos. E foi assim a crescer que numa véspera de Natal ela me surpreendeu. Um pequeno cacho amarelo descia de uma das galhas de sua copa… um dia, outro… dois dias, outro… contei os demais dias e perdi a conta dos cachos. Agora era uma grande cabeleira esvoaçante que amarelava o verde ao seu redor. Como estava linda a minha árvore. Por ela, o nascer de Cristo foi bem mais significante.
Passaram-se vários dezembros e a cada ano ela se encorpava mais. Chegou o dia em que eu, silenciosamente, disse adeus. Algumas de suas pétalas se desprenderam. Só quem conhece a alma de uma planta sabe o significado do cair de uma pétala. Deixei-a e fui para a cidade grande tentar ser grande também. Foram-se outros dezembros. Agora vazios. O mundo de concreto me apertava e até os sonhos antigos eram desimportantes… o menino que era grande ficara na infância.
Tive meu tempo de saúvas… eram enormes e esfomeadas. Diferente da árvore, não havia ninguém para afastá-las. Foram dias de intensos desenganos… fadiga… desencanto. Mas o aprendizado da rebrotagem já estava agaturrado em mim. Eu só não flori na metrópole porque os ares não eram favoráveis. Lá, sobrevivi o bastante para saber que a vida tem muitos pontos de partidas e só um de chegada. E eu tinha ainda muitas partidas para iniciar. Depois da primeira poda, todos os caminhos se abriram para o renascer.
Voltei. Era dezembro e noite também. As luzes eram outras e potencializavam o meu cansaço. A velha acácia chuva-de-ouro pareceu-me mais minha… mais próxima. Desta vez, ela não soltou nenhuma pétala. Seus cachos estavam mais exuberantes que nunca. Ao tocá-los senti-me Midas. Aquele rei que tinha a capacidade de tornar ouro tudo o que tocava. Isso, mesmo, ao meu toque, um reluzente tesouro iluminou a noite e desenhou o amanhecer.
E no amanhecer contemplei a mata fronteiriça à antiga tapera… não havia mais mata!