*Por Ramon Melo Fontich
Não raro nos deparamos com momentos de incerteza na hora de adquirir um imóvel. Incertezas são só se o imóvel será de nosso gosto, mas quanto à segurança jurídica da aquisição.
A Lei 14.382/2022, além de simplificar e modernizar os procedimentos para aquisição de imóveis, trouxe mais segurança para o adquirente. Agora, em razão do princípio da concentração dos atos na matrícula, não poderão ser opostos ao adquirente, situações jurídicas não previstas na matrícula do imóvel.
Isso porque, a referida lei dispensou, para a validade e eficácia de compra e venda de imóvel celebrada com terceiro, as certidões forenses ou de distribuidores judiciais – ou seja, certidões que atestem a existência de ações judiciais contra o vendedor.
Dessa forma, ainda que existente uma situação jurídica que recaia sobre o imóvel, caso esta não esteja averbada à matrícula do imóvel, a alienação do bem a terceiro será válida e eficaz para todos os fins de direito. Mas, como sempre, tudo tem seu preço.
Apesar de conferir segurança jurídica aos terceiros de boa-fé, por outro lado, a Lei passou a exigir atenção redobrada dos credores e, não só para os casos cujas consequências diretamente envolvam imóveis.
Como se sabe, a garantia do credor são os bens do devedor e, não raro os bens se encontram na forma de imóveis. A título de exemplo, recentemente tivemos num caso interessante no escritório, uma família adquiriu para seu filho mais novo um apartamento, com valor expressivo, um pouco mais de dois milhões de reais.
O apartamento era para ter sido entregue em janeiro deste ano, mas não foi. Com isso, o contrato de compra e venda permitia a rescisão, com devolução dos valores pagos de forma corrigida aos compradores.
Iniciadas as tratativas para rescisão, a construtora permaneceu inerte e deixou de responder a família. Com razão, a família ingressou com ação requerendo a devolução dos valores pagos, somado de multa contratual.
A partir do ingresso da ação, o valor do apartamento adquirido já era 50% inferior aos valores pretendidos na ação.
Somado a isso, verificamos que a construtora responsável pelo empreendimento foi estruturada na forma de SPE (Sociedade com Propósito Específico) – assim, cada empreendimento da construtora é desenvolvido em uma pessoa jurídica distinta, no intuito de mitigar riscos e manter o patrimônio segregado. Além disso, dos 52 apartamentos do prédio, 48 foram vendidos antes do término da construção.
Diante do visível risco de insolvência, uma vez que finda a construção do empreendimento e vendida as unidades não haveriam outros bens para pagamento da dívida e, no intuito de resguardar patrimonialmente os direitos da família, fizemos um pedido cautelar para que fosse lançado na matrícula de um dos apartamentos ainda não vendidos, a averbação da existência da ação – medida que foi deferida pelo Juízo da causa.
Com isso, em consonância com as novidades trazidas pela Lei 14.382/2022, asseguramos que, caso o apartamento averbado seja vendido para terceiro, sua alienação poderá ser ineficaz, por se tratar de fraude à execução, na medida que tramitava em desfavor da construtora, ação capaz de reduzi-la à insolvência – situação conhecida pelo terceiro, já que se encontrava averbada na matrícula do imóvel.
(*)Ramon Melo Fontich é advogado com atuação voltada para o contencioso. Possuo experiência em atuação de processos judiciais estratégicos, especialmente nas áreas de direito civil, imobiliário, empresarial e administrativo