O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) envia nesta segunda-feira (27) ao Congresso Nacional um projeto de lei para autorizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a retomar os financiamentos a obras e outros serviços prestados por empresas brasileiras no exterior.
Esse tipo de crédito está suspenso desde 2016, quando grandes construtoras do país beneficiadas pela linha passaram a ser investigadas na Operação Lava Jato.
No passado, a modalidade serviu para bancar obras controversas, como o metrô de Caracas, na Venezuela, e o Porto de Mariel, em Cuba –cuja dívida o país diz hoje não ter como pagar. O grupo dos dois países mais Moçambique deve hoje US$ 463 milhões ao banco de fomento, equivalente a R$ 2,27 bilhões na cotação da última sexta-feira (24).
A proposta é apresentada num momento em que o Legislativo caminha na direção contrária. Uma PEC (proposta de emenda à Constituição) tramita na Câmara dos Deputados com o intuito de dar aos parlamentares o poder de vetar operações realizadas no exterior.
O diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luis Gordon, afirma que a medida defendida pelos congressistas não encontra paralelo em nenhum país do mundo, e sua aprovação teria efeitos negativos sobre as empresas ao criar uma camada adicional de burocracia.
Para ele, é preciso “tirar os mitos” em torno do financiamento à exportação de serviços.
Como uma espécie de vacina, o banco de fomento discutiu o conteúdo da proposta com o TCU (Tribunal de Contas da União). Inclusive, veio da corte de contas a sugestão de um artigo que pretende blindar o governo brasileiro de críticas ou até mesmo de novos calotes.
O texto do projeto de lei, antecipado à Folha de S.Paulo, diz que “é proibida, nos financiamentos à exportação de serviços, a concessão de novas operações de crédito entre o BNDES e as pessoas jurídicas de direito público externo inadimplentes com a República Federativa do Brasil”.
Pessoas jurídicas de direito público são países, membros de uma federação ou seus respectivos órgãos. Isso significa que, no quadro atual, Cuba, Venezuela e Moçambique não poderão ser beneficiados pelas novas operações, caso o projeto avance no Congresso.
A única exceção prevista é se houver renegociação formal da dívida pendente. Neste caso, o país estrangeiro poderia voltar a ser parte nas transações do banco.
A restrição já existe hoje nas normas internas do BNDES, mas a instituição acredita que colocá-la em uma lei pode reduzir resistências, dada a polêmica que cercou essas operações no passado.
“Por que a decisão do projeto de lei? Para que a gente possa criar um novo marco, [fazer] uma discussão ampla com a sociedade, com o Congresso Nacional, e ter tranquilidade sobre isso”, afirma.
Gordon diz ainda que o financiamento à exportação de serviços não beneficia países, mas sim as empresas brasileiras. “O dinheiro entra na empresa brasileira em reais. Isso vai gerar emprego e renda no Brasil”, afirma. Segundo ele, não há subsídios envolvidos, uma vez que as taxas cobradas são as de mercado.
O BNDES financia a empresa no Brasil, bem como insumos, máquinas e equipamentos que leva para o exterior. O pagamento é feito pelo país onde a empresa brasileira presta o serviço. Em caso de calote, o banco conta com o FGE (Fundo de Garantia à Exportação), instrumento criado em 1997 e vinculado ao Ministério da Fazenda.
No passado, o BNDES atuou com diferentes setores na exportação de serviços, como o de tecnologia da informação, mas o mais relevante sempre foi o de serviços de engenharia, que inclui as construtoras.
A instituição estima que esse segmento deve voltar a responder pela maior parte da demanda por esse tipo de crédito. Mas o BNDES também planeja atuar no financiamento à exportação de serviços de software.
“O Brasil se tornou uma referência na produção nessa parte da economia digital e pode se tornar ainda mais. As empresas brasileiras vão poder exportar esse tipo de conhecimento para fora também”, diz Gordon.
O texto prevê medidas de transparência, como a disponibilização de informações sobre as operações em site público e de fácil acesso.
O banco ainda precisará prestar contas à CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, por meio de um relatório anual com dados sobre esses créditos, como o serviço objeto do contrato, as condições financeiras, os resultados para a economia brasileira e os principais aspectos socioambientais avaliados.
O projeto de lei também autoriza o BNDES a criar subsidiárias dentro do Brasil. Hoje, o banco só pode abrir novas entidades controladas no exterior.
Embora a redação do artigo seja genérica, Gordon afirma que a intenção é estabelecer uma subsidiária nos mesmos moldes de um Exim Bank (banco de exportações e importações existente em países como Estados Unidos, Alemanha, entre outros).
“Isso é estratégico para sinalizar ao setor empresarial a importância da exportação, que o banco está voltando a apoiar, tem uma equipe dedicada a essa agenda. É uma paper company [empresa de papel], um CNPJ, não vai gerar custo adicional nenhum”, diz ele, acrescentando que a nova companhia usará quadros de pessoal do próprio BNDES.
A proposta ainda obriga a instituição a seguir normas da OMC (Organização Mundial do Comércio) e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na realização dessas transações.
Desde que o BNDES passou a discutir a retomada do financiamento à exportação de serviços, economistas se mostraram receosos com os riscos.
No passado, pesquisadores da área de negócios e economia questionaram os critérios de seleção dos países destinatários das operações. Muitos acreditam que houve preferências políticas em detrimento de uma seleção técnica. O argumento ganhou força quando os países mais controversos não quitaram os financiamentos.
Gordon afirma que a decisão do Executivo de submeter a proposta ao Congresso Nacional é justamente uma forma de tentar vencer as resistências. Para ele, a retomada da linha é um eixo importante da agenda de neoindustrialização defendida pelo governo, sobretudo pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
“Nós temos [no Brasil] 2% do mercado global, 98% estão fora. Se as empresas querem vender mais, elas vão ter que exportar”, afirma.
A proporção de empresas exportadoras é baixa no país. Apenas 0,88% das companhias brasileiras vendem seus bens e serviços no mercado externo. Por outro lado, elas exercem papel importante na economia local, respondendo por 15% dos empregos, aponta Gordon.
Segundo ele, num contexto em que mais de 90 países possuem bancos ou agências que financiam suas respectivas exportações, não dar apoio às empresas brasileiras significa reduzir sua competitividade no mercado internacional.
O BNDES atualmente já dá suporte às empresas na exportação de bens. Entre janeiro e setembro deste ano, o banco desembolsou R$ 7,2 bilhões nas linhas de apoio à exportação, mais que os R$ 2,1 bilhões ofertados em igual período do ano passado (os valores são nominais). Para o banco, a retomada do apoio à exportação de serviços pode alavancar ainda mais a presença brasileira no exterior.
O QUE DIZ O PROJETO DE LEI
O BNDES e suas subsidiárias poderão financiar atividades produtivas de empresas brasileiras exportadoras e a comercialização de bens e serviços realizada no exterior por empresa brasileira exportadora.
As operações de financiamento à exportação de serviços observarão critérios de elegibilidade, reconhecimento e comprovação das exportações estabelecidas em regulamento do Poder Executivo federal, bem como os modos de prestação de serviços estabelecidos no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Fica vedada a concessão de novas operações de crédito entre o BNDES e pessoas jurídicas de direito público externo (ou seja, outros países e seus respectivos órgãos) que estejam inadimplentes com o Brasil, exceto nas hipóteses em que houver a formalização da renegociação da dívida.
O BNDES deverá disponibilizar, em site público e de fácil acesso, informações atualizadas sobre os financiamentos à exportação de serviços concedidos a pessoas jurídicas de direito público externo.
O BNDES deverá apresentar à CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado relatório anual com informações sobre a carteira de financiamentos à exportação de serviços concedidos a pessoas jurídicas de direito público externo, com indicação do objeto, das condições financeiras, dos resultados para a economia brasileira e dos principais aspectos socioambientais avaliados.
OPERAÇÕES DO PASSADO
BNDES financiou operações controversas de exportação de serviços, como o Porto de Mariel, em Cuba, e o metrô de Caracas, na Venezuela. Obras tinham a participação da Odebrecht, investigada na Operação Lava Jato.
Saldo devedor a vencer dos países (valores de 30/09):
Cuba: US$ 378 milhões
Venezuela: US$ 46 milhões
Moçambique: US$ 39 milhões