Os consumidores foram pegos de surpresa com a possibilidade de uma Medida Provisória (MP) do governo federal que prorroga os subsídios e criaria custos adicionais para a conta de luz, fato que pode injetar na tarifa de energia cerca de R$ 6 bilhões, segundo cálculos feitos pela Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia.
O que se conta é que a Casa Civil trata da redação, mas, como um texto do gênero demanda apoio do Ministério de Minas e Energia (MME), a pasta também passou a discutir o conteúdo.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia, a Abrace Energia e a União Brasil Energia, entidades que representam pequenos e grandes consumidores, incluindo as maiores indústrias do Brasil, enviaram cartas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao vice-presidente Geraldo Alckmin solicitando que não assinem a medida provisória.
“Nós confiamos que todas as medidas seriam discutidas com transparência com o setor e estamos surpresos com o procedimento adotado. Nossa carta é para pedir ao presidente Lula que escute quem paga essa conta”, diz Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente.
“Ainda não sabemos se e como a MP vai sair, mas a prorrogação de subsídios vai na contramão do interesse do consumidor e da modernização do setor elétrico”, afirmou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.
A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) divulgou nota afirmando que recebeu com “assombro” a possibilidade de prorrogação de subsídios. O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), que reúne 32 associações, enviou carta contra a MP ao ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Houve reação até do segmento de mercado livre. “É surpreendente que a gente esteja tratando desse assunto quando a fala do ministro diz exatamente o contrário, que é preciso reduzir a tarifa”, diz Rodrigo Ferreira, presidente da Associação dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel).
É dado como certo que a MP vai prever a extensão por 36 meses do desconto de 50% para projetos de geração renovável pelo uso do fio da transmissão 0Tust e Tusd (sigla para tarifas de uso do sistema de transmissão e de distribuição).
A diferença do valor é dividida pelos demais consumidores. Pela regra atual, tem direito ao desconto quem protocolou projetos até março de 2022.
Estimativa preliminar da Abrace aponta que a extensão levaria a um adicional de R$ 6 bilhões ao ano dentro da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que reúne subsídios do setor e são pagos na conta de luz.
O valor da CDE para ano que vem, sem esses novos custos, já está estimado em R$ 37,2 bilhões, 6,5% acima da conta deste ano.
A prorrogação do desconto do fio foi defendida inclusive por governadores do Nordeste. O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste enviou ofício a Lula, ainda em maio deste ano, relatando que atrasos na finalização de novas linhas de transmissão comprometiam a viabilidade dos parques eólicos e solares e defendendo que seria mais adequado estender o desconto do fio.
Especialistas do setor são unânimes em afirmar que hoje fontes renováveis são rentáveis, não necessitando de incentivos, e que subsídios apenas ajudam as empresas do setor a ter lucros maiores.
O deputado Danilo Fortes (União Brasil-CE), que acompanha as discussões, afirmou à Folha que a medida provisória trata especificamente da prorrogação do desconto do fio para casar o prazo de conclusão do parque de energia renovável com a conclusão das obras de linha de transmissão de energia.
“Venho defendendo essa medida desde o fim do ano passado e ela vai viabilizar R$ 60 bilhões em investimentos no Nordeste”, afirmou.
Também circula a informação de que o governo cogita dar andamento a outros temas, que poderiam ou não ser incluídos na MP, e todas as alternativas acabam criando algum custo adicional para a conta de luz.
Existe quem defenda que a MP possa atender outras demandas, que hoje estão alocadas em projetos ainda em tramitação no Congresso. Uma leva de medidas, por exemplo, já está no substitutivo do projeto de lei 11.247, de 2018, que cria o marco regulatório das eólicas offshore.
O relatório do deputado Zé Vitor (PL-MG) saiu há alguns dias, e a análise do conteúdo tem causado surpresa entre especialistas.
Uma das medidas que estão no relatório e eventualmente poderia ser incluída na MP é a permissão para que aportes da Eletrobras em fundos setoriais possam ser utilizados no abatimento de aumentos tarifários extraordinários acima de 15%. Essa emenda poderia aliviar especialmente a conta de luz do Amapá, que vem causando polêmica e há pressa em solucionar o problema.
A Equatorial Energia comprou a antiga CEA (Companhia de Energia do Amapá) em 2021. A concessionária estava endividada e o novo contrato de prestação de serviços exige altos investimentos.
Para cumprir todas as demandas, a empresa teve direito a fazer um reajuste extraordinário, estimado em 44,41%, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em agosto, o próprio presidente Lula, em entrevista a rádios da região, criticou a privatização da distribuidora durante o governo Jair Bolsonaro (PL) e acusou a Equatorial de assaltar o consumidor do estado.
Aos ouvintes, Lula disse que trataria do tema com carinho e buscaria soluções. Neste mês, a questão esquentou. Foi debatida na Comissão de Infraestrutura do Senado.
O projeto também traz alternativas para viabilizar as chamadas térmicas jabutis da lei de privatização da Eletrobras.
Trata-se da obrigatoriedade de instalar 8 GW (gigawatts) de usinas a gás onde não há gás ou mercado consumidor, o que demandaria a construção de gasodutos para levar o insumo e de linhas de transmissão para direcionar a energia até centros consumidores. Procurados pela Folha para explicar as propostas, Casa Civil e Ministério de Minas e Energia não responderam até a publicação deste texto.