Por Walter Biancardini (*)
No dia preguiçoso de hoje cairia bem arremedar o saudoso Paulo Mendes Campos e sua inesquecível crônica “Receita de Domingo”, mas a dura realidade não desfruta do descanso semanal remunerado: ela trabalha – feio, forte e sujo – todos os dias, todas as horas e nos violenta com a crueza que expõe patologias estatais.
Em sua tática de “estreitamento de uretra”, Glenn Greenwald solta, gota à gota, a urina fétida dos combalidos rins de todo o sistema judiciário brasileiro, servindo-se da mesma e cúmplice da grande mídia como diurético curativo das disputas palacianas de poder. E mesmo neste esplendoroso domingo onde poderíamos preguiçar, indolentes na dúvida entre boa praia ou whisky com amigos, somos obrigados – pelo bem do Brasil – a digerir tais e insalubres petiscos, vindos de Brasília.
O nobre e douto juiz Marco Antônio Vargas urinou sobre nós a seguinte frase referindo-se ao jornalista Allan dos Santos, exilado político nos EUA e, portanto, fora do alcance das garras do STF: “Por isso esse idiota se sente livre pra fazer o que faz. Dá vontade de mandar uns ‘jagunços’ (sic) pegar esse cara na marra e colocar num avião brasileiro”, disse o mesmo, em conversa com outro magistrado – Airton Vieira é o nome.
Admirável o voluntarismo de colocar-se na posição de “capanga” do Ministro Alexandre de Moraes – mais que capanga, um “capo regime”, tal qual as melhores e mais organizadas famílias mafiosas de Nova York dos anos 50. Igualmente batizou, de forma adesiva e eterna, os agentes da Polícia Federal com o subido adjetivo de “jagunços”, definindo de forma clara, como julgam a subserviência de algumas alas desta instituição policial, desfrutada pela Suprema Corte.
Neste glorioso dia de descanso não devemos, entretanto, nos deixarmos ensombrecer por tal micção ardida. Sim, é fato que pingos ferventes como “perdeu, mané”, “missão dada é missão cumprida”, “derrotamos o bolsonarismo”, “use a criatividade” ou a inefável “vontade de chamar uns jagunços” podem causar queimação e dores, mas aprendemos – à duras penas – o quão perigoso pode ser a tentação de apelar para o Benzetacil fardado: seus efeitos colaterais podem ser terríveis.
Esqueçamos somente neste dia – por Deus decretado feriado –, toda a mixórdia cotidiana e desfrutemos o sol, a praia, o clube, os amigos, a família e tudo o mais que nos agrada e afaga nossa alma – os esparsos, mas valiosos carinhos da vida.
E permitamo-nos enlevar por, ao menos, algumas palavras de Paulo Mendes Campos em sua “Receita de Domingo”:
“O livro deve dizer-nos que o mundo está errado, que o mundo deveria ser composto de domingos. Então, nascer de nossa felicidade burguesa e particular uma dor viril e irritada. Para que os dias da semana entrante não nos repartam em uma existência de egoísmos.”
Um bom whisky, cerveja Bohemia enregelada e petiscos: se neste momento o leitor serve-se dos mesmos, erga um brinde a nós.
Bom domingo a todos!
Amanhã começa tudo de novo.
(*) Walter Biancardine é jornalista, analista político e escritor. Foi aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, autor de três livros e trabalhou em jornais, revistas, rádios e canais de televisão na Região dos Lagos, Rio de Janeiro