Por Walter Biancardine
Na famosa novela de Ernest Hemingway um homem chamado Roberto, dinamitador inglês, chega ao esconderijo de guerrilheiros a favor da república espanhola e conhece Maria, uma bela mulher que havia sido salva pelo grupo.
Não houve romance, a não ser em suas almas e na linguagem muda dos sentimentos. Eram tempos de uma sangrenta guerra civil, cotidiano de medo, caos e Guernica. A atração foi imediata, a morte os espreitava e, sem maiores conversas ou galanteios se uniram em amor, pois o amanhã era improvável.
O tema enfoca o quanto o sangue alheio nos importa, e a pressa do amor diante da morte – morte essa, por vezes, de quem sequer conhecemos: “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; assim, a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”, escreveu John Donne.
A velhice leva o homem à guerra civil de sua existência; a luta cotidiana contra o fim de seus dias, a ceifadeira sempre à espreita – hoje, amanhã, depois. Quem sabe?
Sob o impiedoso ataque dos dias, meses ou anos, aqueles que ousaram resistir ao tempo aprenderam que já não mais restam tantos entardeceres para o romance e, tal qual Roberto e Maria, devem expressar seu amor urgente através de olhares, gestos e mesmo tons de voz.
Para mulheres mais jovens, impossível crer que tal secura tenha nascido sob manto tão pesado; para as mais velhas, o medo – de tudo, todos e da pouca vida que resta – as impede, em forma de recato.
Assim, os velhos percebem-se isolados e lamentam a falta de pedaços do coração, que oceanos tempestuosos da vida levaram. Muitos disso se dão conta, buscando a juventude no fundo de um copo ou em conversas desaforadas e mentirosas com amigos.
Mas pouquíssimos – homens ou mulheres – cresceram e resignaram-se ao ponto de considerar que nenhum sentimento é uma ilha.
Sim, pois todo amor é parte de um coração, de uma história, e se tal fervor for levado pelos dias negros da vida, o homem diminui-se: torna-se menor e apartado, como náufrago em ilha deserta, cercado apenas de lembranças por todos os lados. Assim é o fim de cada amor, somado ao tempo impiedoso, que insiste em passar; corações amputados de tais pedaços, esses, tanto nos diminuem por também sermos sentimentos, coração e história.
Solidão é o tamanho do espaço que sobra à nossa volta e corações sofridos são minúsculas ilhas, cercadas por um oceano de indiferença juvenil e bela.
Por isso não perguntes por quem os velhos choram. Eles choram por ti.
(*) Walter Biancardine é jornalista, analista político e escritor. Foi aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, autor de três livros e trabalhou em jornais, revistas, rádios e canais de televisão na Região dos Lagos, Rio de Janeiro