Em um cenário de incertezas crescentes e desconfiança na política fiscal brasileira, o Tesouro Direto protagonizou, nesta segunda-feira (16), um episódio histórico. O sistema precisou ser paralisado às 10h55 após as taxas de títulos prefixados explodirem para 15% ao ano e os atrelados à inflação (IPCA+) encostarem em 8%. Um circuit breaker em renda fixa – fenômeno raro, porém sintomático do caos que toma conta do ambiente econômico.
O movimento refletiu uma fuga de investidores, que passaram a exigir prêmios mais altos para financiar o governo. Paralelamente, o Banco Central (BC) realizou a maior intervenção no mercado cambial desde 2020, despejando US$ 1,62 bilhão em um leilão extraordinário de dólares à vista. A medida foi uma tentativa desesperada de conter a disparada do dólar, que chegou a R$ 6,10 e recuou para R$ 6,03 após a operação.
O nervosismo no mercado: juros e câmbio em descompasso
O que está por trás dessa turbulência? Em primeiro lugar, as taxas dos títulos públicos em níveis tão elevados refletem a percepção de risco exacerbada por parte do investidor. A dívida pública em expansão, as dificuldades do governo em ancorar as expectativas fiscais e as incertezas no horizonte político empurram o prêmio de risco para patamares insustentáveis.
Enquanto isso, no mercado cambial, o dólar vem testando os limites da economia brasileira. A valorização da moeda americana no cenário internacional, impulsionada pelos juros nos Estados Unidos e a busca global por segurança, encontra um ambiente doméstico de vulnerabilidades. As últimas intervenções do BC são um sinal claro de que a autoridade monetária se vê pressionada a agir diante de um cenário fora de controle.
Intervenções: alívio temporário ou prenúncio de crise?
As intervenções cambiais, por mais robustas que pareçam, oferecem apenas alívio temporário. A venda de dólares no mercado à vista ajuda a acalmar a cotação momentaneamente, mas não resolve a causa estrutural do problema. A escalada cambial tem efeitos nocivos em cadeia: pressiona a inflação, encarece produtos importados e amplia a percepção de risco sobre a economia.
O leilão de linha, que movimentou US$ 3 bilhões com compromisso de recompra, foi outra tentativa de conter o nervosismo. Ainda assim, a recorrência dessas operações, somada às altas taxas do Tesouro Direto, sugere uma deterioração severa das condições econômicas, como não se via desde o auge da pandemia.
O Brasil como um “case” de alerta
Analistas internacionais começam a enxergar o Brasil como um case de alerta: uma economia emergente onde a política fiscal perdeu a confiança do mercado. Ao mesmo tempo, o governo lida com uma taxa de juros já elevada e uma população pressionada pelo custo de vida. A incapacidade de equilibrar as contas públicas, somada à falta de medidas concretas de austeridade, aprofunda o cenário de incerteza.
De maneira irônica, títulos públicos a 15% ao ano e IPCA+ próximos de 8% representam uma oportunidade rara para investidores de longo prazo. Contudo, a rentabilidade explosiva tem como contrapartida o risco sistêmico que ronda a economia. O prêmio reflete um país no qual o curto prazo tem sido tratado com remendos, enquanto o longo prazo carece de soluções estruturais.
Panorama: confiança perdida, riscos em alta
O circuit breaker no Tesouro Direto e as intervenções recordes do BC são dois lados de uma mesma moeda: um país em busca de credibilidade e equilíbrio fiscal. A economia caminha sobre o fio da navalha, e qualquer sinal de instabilidade poderá desencadear uma nova onda de pânico no mercado. O investidor observa, o governo titubeia, e a corda vai esticando.
A questão central permanece: até quando os remendos durarão? O Brasil está no limite entre controlar a narrativa ou deixar o mercado escrever seu destino.
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