Por Amauri Meireles (*)
A população brasileira, que já se mostrava extremamente preocupada com a elevação da espiral da criminalidade violenta, em seu aspecto quantitativo, hoje está angustiada com o aspecto qualitativo, em virtude da ousadia, audácia, desrespeito e, sobretudo, da covardia e frieza dos criminosos na execução de mães e pais de família.
Sabe-se que, por motivos objetivos (as estatísticas demonstram), em muitas cidades a probabilidade de os fatos criminosos acontecerem é maior que em outras.
Contudo, em razão de notícias (não de informações) que, atualmente, se espalham em incrível velocidade, a sensação de insegurança tem aumentado, generalizadamente, em razão de a Ilusão de Isotopia estar contaminando as pessoas, em vários ambientes.
Se os crimes de rua, explícitos, provocam danos pessoais (inclusive mortes), observa-se que o audacioso crescimento das Orcrim (organizações criminosas), atuando na clandestinidade, provoca enormes prejuízos materiais e cometimento de crimes que causam enorme repulsa.
Agora, o presidente Lula convocou autoridades para uma reunião em Brasília, dia 31 de outubro. Segundo a mídia, para “discutir a… PEC da Segurança, defendida pelo Planalto para dar poderes ao governo federal de atuar na questão da segurança pública, atualmente de atribuição exclusiva dos governos estaduais” (grifo nosso). Ou, ainda, “Conhecido como PEC da Segurança, o texto foi desenhado pelo MJSP e prevê aumentar a participação federal no setor, que hoje é de competência dos governos estaduais” (gn).
Equívocos, do governo e dos meios de comunicação, que se repetem, pois o Art.144 da CF/88, “segurança pública, dever do Estado …” não se refere ao Estado-membro, mas ao Estado brasileiro (República Federativa do Brasil), no Art. 1º.
Consta que o governo federal pretende chamar para si a responsabilidade da coordenação (diferente de comandar) das ações de contenção da criminalidade, o que, a princípio, é oportuno, por suprir uma necessidade fundamental.
Além disso, uma das medidas seria aumentar as competências da Polícia Federal no combate ao crime organizado (ora, uma de suas missões já é essa) e permite a atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no patrulhamento ostensivo (ora, a PRF é uma polícia ostensiva). Esta teria suas atribuições ampliadas para portos, ferrovias, aeroportos, o que não seria bom. Convém mantê-la fazendo o que vem fazendo extraordinariamente bem e reconhecer, constitucionalmente, a polícia aeroportuária. Visto o surpreendente crescimento das Orcrim, em especial do crime cibernético, seria oportuno, também, reconhecer constitucionalmente a Força Nacional de Segurança Pública, liberando a Polícia Federal de missões de Polícia Ostensiva, para ampliar seus excelentes trabalhos de Polícia Investigativa.
A celeridade no agendamento da reunião teria ocorrido em razão de o governador do Rio de Janeiro haver declarado que, seu Estado, sozinho, não tem instrumentos e procedimentos suficientes para frear, no mínimo, a escalada da violência. E pediu socorro ao governo federal que, se espera, não erre novamente, decretando operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que já se mostrou ineficiente nesses casos.
Não pela operação em si, mas porque não basta atender o pedido.
É necessário que seja cobrado do solicitante um Plano local de contenção, especificados os auxílios pleiteados, o que nunca foi feito.
Num primeiro momento, é um pedido de ajuda, é uma faixa cinzenta, em que o governo federal escalona o atendimento às necessidades, enquanto a Força Federal, em alerta, elabora seu Plano de Ação. Esgotada a capacidade estadual, essa Força assume. Porém, lamenta-se, esse trespasse nunca foi observado – o que daria tempo para a Força Federal se organizar, se preparar – e, “jogados às feras”, governo federal e sua Força têm produzido resultados pífios.
Com o convite de Brasília, para debater o problema, as ações se invertem, visto que, pressupõe-se, o MJSP deve apresentar um esboço de plano e coletar sugestões dos governadores e demais autoridades, buscando a efetividade.
O que, provavelmente, não alcançará, pois, pela relação de convidados, o crime continua sendo visto como um problema para somente as instituições policiais solucionarem.
E, já se falou, se o crime é menos um problema policial que uma grave e complexa vulnerabilidade sociopolítica, reitera-se, as instituições específicas, que desenvolvem a atividade policial de proteção da população, não atuam sobre aquela distorção da percepção.
Objetivamente, o crime não é problema só das instituições policiais, não é um fato social que se resolve somente com incremento de atividades policiais, ou seja, o crime é problema de instituições policiais, também. Contudo, por desinformação ou por incúria, as Polícias continuam pagando o boleto das mazelas e contradições sociais, que é de responsabilidade de outras entidades.
É possível, inclusive, que, nessa reunião, desponte um paradoxo: pela manifestação do governador do Rio de Janeiro, é possível inferir-se que sua Força de Polícia está próxima de se exaurir, o que estaria exigindo reforço igual ou maior que ela. Contudo, o MJSP acaba de realizar Seminário Internacional sobre Regulação do Uso da Força, onde entidades (que ganham projeção jogando para a torcida) criticaram os números da letalidade policial (sem ponderar as circunstâncias em que ela ocorreu e a vitimação de policiais), condenando o atual uso da força. Ora, as PMs são a própria Força do Estado, ou seja, operacionalizam a capacidade de o Estado impor sua vontade.
No seminário, uma colocação pragmática: “O uso da força, quando necessário, não é incompatível com os direitos humanos, desde que os protocolos e as técnicas apropriadas sejam seguidos rigorosamente, garantindo uma intervenção correta e ajustada à realidade de cada caso” (André Garcia, Secretário Nacional de Políticas Penais).
Enfim, o povo já está cansado, esgotado, desnorteado e quer ações rigorosas e vigorosas contra a criminalidade em geral. Chega de tratar essa questão com lirismo ou segundas intenções. A ajuda do governo federal não poderá ser despachando para o RJ um caminhão de rosas.
Enfim, vislumbra-se mais uma reunião mormaceira: muito calor e pouca luz. Muita publicidade, mas apresentação de soluções paliativas. É que, insiste-se, o mesmo erro é cometido: a discussão girará em torno do que está acontecendo, quando o fundamental seria discutir o “por quê?” está acontecendo. Nesse caso, certamente, representantes de ministérios da área social deveriam ser a maioria, discutindo soluções para as causas e efeitos da criminalidade, que, hoje, recaem sobre os ombros das instituições policiais, protagonistas ocasionais por omissão dos verdadeiros protagonistas.