Por Amauri Meireles (*)
Há algum tempo, observa-se a proliferação de um vírus que, isoladamente, vem atacando o indivíduo e, no conjunto, tende a afetar grupos sociais, para, no somatório, contaminar a sociedade em geral. Não, não estou falando de Covid-19, dengue, chicungunha e afins. Refiro-me à “passividade institucionalizada”.
Ela está presente quando há percepção de que algumas coisas não vão bem, de que algo está errado, de que a qualidade de vida está deteriorando-se, de que se está sendo manipulado, que alguma providência deveria ser tomada, visando à reversão. Contudo, uma intuição de impotência, uma inação generalizada, uma postura letárgica vem apossando-se de grande parte da população, em paralelo a estímulos externos que querem nos impor radicais transformações, principalmente éticas e culturais.
Dentre outros, um rápido exemplo disso é a complacência em relação a certos comportamentos deprimentes praticados em algumas universidades ou presentes em alguns obscenos eventos pseudoculturais, alicerçados em um afrontoso niilismo moral. E, exceto eventuais e sazonais espasmos, nenhuma ação é praticada, nenhuma reação é realizada, nenhum contraveneno é ativado.
A alimentar essa paralisia social e adotando procedimentos subliminares, na maioria das vezes, grupos insidiosos, barulhentos, desavergonhados, arrogantes, prepotentes, estrategicamente aparelhados, querem nos impor sua própria ideologia. Utilizam-se do modelo tupiniquim da fusão do leninismo e do gramcismo reverso, visto que a Escola, a Igreja, a Família são instituições que continuam sendo fustigadas, depreciadas, visando a enfraquecê-las para serem dominadas, enquanto setores da Imprensa, da Justiça, da Política são cooptados. O processo utilizado é buscar a Hegemonia – o domínio psicológico sobre a multidão – para implantar seu insano projeto de Poder através da sabotagem psicológica, dignificando o relativismo moral e dizimando bases morais e intelectuais.
Paralelamente, enquanto isso está ocorrendo, elevam-se os níveis de angústia, de inquietude, de incertezas, de intranquilidade, aumentando a sensação de insegurança, o que é sempre bom para os articuladores do mal, aqueles do quanto pior, melhor.
Com sua reconhecida lucidez, o cientista social Euro Magalhães deu o nome a isso de “Ideologia da Alienação Programada” (IAP), cujo último reduto a ser atingido, afetado, contaminado é a Polícia, instituição de salvaguarda da sociedade, agência pública mais visível. Para isso, ela se utiliza de Poder de Polícia (capacidade de atender ou de alterar a vontade individual ou coletiva) e a Força de Polícia (capacidade de impor a sadia vontade estatal sobre indivíduos ou sobre coletividades).
Certamente, as Polícias (mesmo aquelas em que alguns poucos setores já capitularam) têm sido um forte obstáculo, que tem contido a enxurrada da alienação programada. Previsível, portanto, que os ataques a essa instituição ocorram com frequência, seja através dos gramscianos sofismas, disfemismos, do aplaudido (por eles) e inusitado fogo amigo e afins, seja através dos leninianos confrontos.
O fato é que esse enraivecimento com a obstaculização policial tem diversificados formatos e variadas formas, como pode ser visto e sentido no cotidiano, sendo a maioria identificada no morde/assopra presentes em promessas, planos, programas e projetos, absurdamente cheios de vaziez.
Vamos a um fato atualmente na mídia. O Ministério da Justiça e Segurança Pública trabalha uma minuta de decreto para regular (leia-se restringir, visto que já há regulamentação) o uso da Força.
Dentre as propostas, algumas risíveis, como a que exigirá ao policial “documentar e justificar as ações e as decisões tomadas durante as operações”, burocratizando ou manietando os operacionais. Intencional ou amadorismo? É de se perguntar: aos marginais também serão impostas exigências semelhantes?
Quer dizer que, enquanto o povo ainda não alienado – patrão desses administradores públicos – anseia por mais rigor e vigor na contenção do crime, em razão de esses próprios gestores terem deixado a insegurança gerada pela criminalidade chegar a patamares insuportáveis, lamentável e absurdamente eles querem enfraquecer a Força? Ah, pare o mundo que eu quero descer!
Na área privada, seriam demitidos por justa causa: incompetência. Ou serão punidos pela nova modalidade de extorsão, se o decreto condicionar que somente receberá recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública quem obedecer às normas da cartilha, digo, do decreto?
Impressionante como esse pessoal insiste em rodar a roda ao contrário, “incomodando, depreciando” a Polícia, ao invés de trabalhar para redução de causas e de efeitos da criminalidade, principalmente a violenta.
Afinal, já está sobejamente provado que esse inquietante, angustiante, preocupante fenômeno social é menos um problema policial que uma grave e complexa vulnerabilidade sociopolítica, sobre as quais as Polícias não têm responsabilidade.
Imaginemos, por hipótese, que estamos em um ambiente fechado, com água no tornozelo, que é jorrada através de uma abertura de duas polegadas e que é escoada através de abertura de uma e meia polegadas. É gritante a certeza de que, com o tempo, o ambiente estará inundado. São razoáveis, mas não são suficientes, as ações de aumentar o número de pessoas que trabalham no escoamento ou usar rodos ultramodernos ou acelerar a força do fluxo da vazão. São paliativos, que adiam o transbordamento. A solução é reduzir a entrada de água a um volume igual ou menor que a vazão, ao tempo em que, aí sim, se aumenta a força do fluxo da vazão.
Transportando-se essa hipótese para o ambiente de insegurança em que se vive, principalmente em razão da criminalidade violenta, verifica-se que nossos políticos/governantes/gestores, não estão priorizando o enfrentamento às causas e aos efeitos, tolhendo, dificultando o trabalho das polícias. Ao invés de exaltá-lo, estimulá-lo, reconhecê-lo publicamente, eles estão reduzindo, restringindo a Força da Polícia, aumentando e ampliando a Força dos seguidores da IAP.
Ao final, uma anotação: Euro Magalhães é coronel, ex-comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais, ou seja, além de vasto conhecimento sobre essa matéria, tem invejável expertise, decorrente de experiência acumulada. A IAP é um legado, é um grito de alerta, em especial para os jovens, que, liberados desse corrosivo modismo, passarão a usar o “porquê” em lugar do “por quê?”.
(*) Coronel Veterano da PMMG – Foi Comandante da Região Metropolitana de BH