A iminência de um desastre político tornou-se evidente assim que o atual presidente dos EUA Joe Biden, de 81 anos, subiu ao palco de maneira rígida em Atlanta, posicionando-se a cerca de dois metros e meio do ex-presidente Donald Trump. Este encontro pode se tornar o debate presidencial com mais consequências práticas da história.
Objetivamente, Biden apresentou um desempenho mais fraco do que qualquer outro candidato desde que John F. Kennedy e Richard Nixon deram início à tradição de debates televisivos em 1960. Assim como naquela época, o evento dessa quinta-feira (27), transmitido pela CNN, ocorreu em um estúdio de televisão sem a presença de público.
Minutos após o início do confronto, democratas entraram em estado de pânico total com a perspectiva de avançar para as eleições com um candidato tão fragilizado. O principal treinador de debates de Biden, Ron Klain, é conhecido por afirmar que “embora você possa perder um debate a qualquer momento, só poderá vencê-lo nos primeiros 30 minutos”. Seguindo esse critério, o desempenho do presidente foi desastroso. O tom da noite foi definido muito antes de completar a meia hora inicial.
É prematuro prever como os eleitores reagirão e se Biden conseguirá se recuperar. No entanto, o presidente mal venceu Trump nos estados decisivos em 2020, durante uma pandemia. Com uma aprovação abaixo de 40% antes do debate, Biden estava, na melhor das hipóteses, empatado com seu rival nas pesquisas. Bastaria que alguns milhares de eleitores mudassem de lado para que Trump voltasse à Casa Branca.
Não há sinais públicos de que Biden seja incapaz de cumprir os deveres da presidência, que incluem decisões críticas sobre segurança nacional. Ele acaba de retornar de duas exaustivas viagens ao exterior, por exemplo. Contudo, com base no desempenho de quinta-feira, sua capacidade de se comunicar com o país e de apresentar sua visão para um segundo mandato está gravemente comprometida.
Se o debate foi a melhor oportunidade para Biden reverter uma disputa acirrada com Trump, a quem enfrenta grande risco de perder a reeleição, foi um fracasso. Biden terminou a noite com o Partido Democrata em crise, com conversas sérias nos bastidores entre figuras importantes sobre a viabilidade de sua candidatura, a apenas dois meses da Convenção Nacional Democrata.
Quando os dois veteranos rivais entraram em um debate acirrado sobre quem era o melhor jogador de golfe, ficou claro por que os eleitores, há muito tempo, expressam nas pesquisas de opinião que não desejam a escolha que lhes foi apresentada este ano.
CONSEQUÊNCIAS
Biden fundamenta sua reeleição na premissa de que ele é a última barreira entre os Estados Unidos e uma segunda presidência de Trump, que, segundo ele, destruiria a democracia e inauguraria uma era sem precedentes de autocracia no país. Os eleitores que acreditam nessa premissa não podem deixar de se alarmar com seu desempenho abjeto no debate.
REAÇÃO DOS DEMOCRATAS
Os debates presidenciais são frequentemente lembrados por momentos visuais que ficam gravados na consciência coletiva nos dias subsequentes. O que é preocupante para Biden é que um espectador que prestasse atenção apenas aos sinais visuais certamente ficaria com a impressão de que Trump era a personalidade mais vigorosa. A história das eleições presidenciais sugere que o candidato que aparenta força frequentemente vence aquele que demonstra fraqueza.
“É doloroso. Eu amo Joe Biden”, disse Van Jones, comentarista político da CNN. “Ele é um bom homem, ama seu país e está fazendo o melhor que pode. Mas ele teve uma oportunidade… esta noite de restaurar a confiança do país e de sua base e não conseguiu. E acho que muitas pessoas vão querer vê-lo seguir um caminho diferente agora.”
A vice-presidente Kamala Harris liderou as tentativas de desviar o foco do desempenho de Biden para a ameaça representada por seu oponente republicano. “Sim, houve um começo lento, mas foi um final forte”, disse Harris a Anderson Cooper, da CNN, após o debate. “E ficou claro ao longo da noite que Joe Biden está lutando em nome do povo americano. Na substância, na política, no desempenho, Joe Biden é extraordinariamente forte.”
“As pessoas podem debater sobre questões de estilo. Mas, em última análise, esta eleição e quem é o presidente dos Estados Unidos têm que ser uma questão de substância. E o contraste é claro. Veja o que aconteceu durante o debate. Donald Trump mentiu repetidamente, como costuma fazer”, afirmou ela.
Biden não é o primeiro presidente a ter um desempenho ruim em um debate – embora sua provação na quinta-feira supere em muito as falhas de Barack Obama e Ronald Reagan. Ambos se recuperaram na próxima oportunidade de debate e conquistaram um segundo mandato. Mas, embora um segundo debate com Trump esteja agendado para setembro, é difícil encontrar uma justificativa tática para o ex-presidente dar ao seu rival a chance de reformular sua imagem.
Um membro do Partido Democrata resumiu o desempenho de Biden para Kasie Hunt, da CNN, com uma palavra que agora ameaça resumir toda sua tentativa de reeleição, a menos que ele consiga reverter a situação: “Horrível”, disse a pessoa.