Por Walter Biancardine (*)
As recentes eleições em Nova York, mais do que um evento político, demonstraram um sintoma cultural – a substituição do cidadão pelo militante, do eleitor prudente pelo devoto ideológico. A “Big Apple”, outrora símbolo do realismo americano, já há tempos parece flertar com a utopia suburbana de quem acha que o aluguel pode ser congelado por decreto e o ônibus transformado em dádiva divina.
O que houve por lá não foi uma “explosão democrática” de engajamento popular, e sim uma mobilização setorial muito eficiente. O número absoluto de votantes foi alto, mas o percentual em relação ao total de eleitores registrados ficou, segundo dados parciais, entre 36% e 38% – o que é baixo para padrões europeus, mas típico de eleições municipais americanas.
O que fez parecer uma “vitória de massas”, conforme anunciado pela grande mídia, foi o aumento da participação concentrada nos distritos universitários, nas zonas de classe média progressista do Brooklyn e Queens, e nas minorias organizadas (muçulmanos, hispânicos, asiáticos). Em outras palavras: não foi o povo todo que saiu às ruas – foram as tribos militantes que, como sempre, fizeram barulho e compareceram às urnas.
Em suma: Zohran Mamdani venceu porque os dele votaram e os outros suspiraram.
É a velha história: quando o homem comum, conservador, abandona o campo de batalha, o fanático faz do voto uma espada e liquida os dissidentes.
E onde entra o Rio de Janeiro nisso?
O paralelo entre Nova York e Rio de Janeiro é real, e mais fundo do que parece. São duas cidades que viveram seu auge quando ainda respeitavam a ordem, o trabalho e a beleza – e que começaram a apodrecer quando passaram a confundir compaixão com permissividade e pobreza com santidade.
Nova York teve seu colapso nos anos 70, dominada por sindicatos, drogas e caos urbano, e foi salva – momentaneamente – por líderes de pulso firme, como Rudolf Giuliani, que reintroduziu a velha noção de autoridade com seu ‘Tolerância Zero’. Já o Rio, esse, caiu – e nunca mais levantou.
Aqui, a “alma fluminense” parece ter sido sequestrada por uma cultura de desculpas: o crime virou “expressão da desigualdade”, a desordem virou “resistência”, e o vagabundo, de repente, passou a ser o verdadeiro “oprimido”.
O carioca – o que restou dele – vive hoje o que podemos chamar de niilismo tropical: o sujeito sabe que está sendo roubado, mas vota no ladrão porque acha que todos roubam; sabe que a cidade está dominada pelo tráfico, mas prefere fingir que é folclore; sabe que o Estado é refém das milícias e do PCC, mas se consola com carnaval e chope.
E essa doença cívica é mais moral do que política: o Rio perdeu a vergonha. E sem vergonha, não há virtude possível.
Eduardo Paes, por sua vez, é o retrato acabado dessa degradação: um homem de classe média, culto o suficiente para entender o que destrói, mas covarde – ou cúmplice – demais para enfrentar. Um gestor que fala em “planejamento” enquanto negocia a alma da cidade por votos em comunidades e favores de empreiteiras.
Ele representa o pacto da mediocridade, a política do “não mexe comigo que eu não mexo com você”.
Paes é o político que sorri no caos. Um prefeito da zona de conforto, literalmente.
O Rio não precisa de mais um “malandro bem-intencionado”, precisa de autoridade, de lei. E de medo – sim, medo, aquele sentimento que impede o criminoso de agir e o corrupto de sorrir.
O problema é que, quando o povo se acostuma ao esgoto, começa a achar o cheiro normal.
E é isso que a esquerda faz de melhor: anestesia a consciência moral, até que o cidadão confunda decadência com rotina e o inferno com paisagem.
O Rio e Nova York têm, portanto, o mesmo destino se continuarem nesse curso: serem vitrines da civilização decadente, cidades bonitas governadas por ideólogos que acham que gentileza resolve tiroteio e que “inclusão social” é distribuir crack com luvas de seda.
Ambas serão lembradas, não pelo que construíram, mas pelo que toleraram.
E é aí que o conservador precisa voltar a erguer a voz – não por nostalgia, mas por dever. Porque a tradição, neste caso, não é saudade: é instinto de sobrevivência.
O Rio de Janeiro se encontra – tal como Nova York em breve – em estado de legítima defesa.
























