Por Walter Biancardine (*)
Em 1946, no tribunal de Nüremberg, os carrascos nazistas repetiam a mesma desculpa covarde: “apenas cumpríamos ordens”, uma frase que ecoaria pela história como síntese da banalidade do mal, conceito diagnosticado por Hannah Arendt. A filósofa e pensadora observou que o crime não era cometido por monstros berrando, mas por burocratas obedientes, prontos a vender a própria consciência em troca da carreira e da aparência de normalidade. Oito décadas depois, o Brasil assiste a um remake vergonhoso: o desembargador Ayrton Vieira, em diálogos vazados com o Tagliaferro, “lamenta-se” das pressões de Moraes e admite estar à beira de “perder a higidez mental”. A inocência, agora, já não existe; todos conhecem o desfecho da peça, e ainda assim há quem aplauda.
A Suprema Corte não se esconde mais. Hoje, atua à luz do dia como máquina de impiedade, movida pelo arbítrio, pelo desprezo absoluto à dignidade humana, transformando a lei em instrumento de opressão. Que o digam os corpos destruídos – e às vezes mortos – daqueles que ousaram desafiá-los.
Clésio Rodrigues, conhecido como “Clezão”, foi deixado definhar na prisão, sem atendimento médico adequado, sem sentença transitada, sem ameaça concreta à sociedade. O peso esmagador do encarceramento transformou-se em sentença de morte por omissão deliberada, e Supremo não foi mero espectador: foi autor e cúmplice.
Hoje, é o deputado federal Daniel Silveira que enfrenta condições que ameaçam sua vida, apodrecendo numa cela por ordem ilegal da corte. Médicos alertam para risco iminente de amputação e embolia fatal, mas nada disso comove o ministro carrasco ou seus pares. A lei, que deveria proteger o cidadão, transformou-se em instrumento de vingança política, uma distorção da justiça que fere os princípios mais elementares da democracia.
O caso de Filipe G. Martins é outro retrato brutal da anatomia da crueldade togada: preso por um “crime” inventado, sustentado por registros falsificados nos Estados Unidos, foi submetido durante meses a pressão psicológica e física intensa, forçado a confessar o que não existia. Como nada havia para delatar, nada foi dito, e o suplício se prolongou. Tortura pura, sem outro nome possível.
A responsabilidade é coletiva, não recai apenas sobre o ministro sancionado embora ele seja o rosto mais visível e entusiasmado da tirania. Todos os ministros da Corte Suprema que se calaram ou corroboraram cada ato estão, igualmente, implicados. Juízes auxiliares, agentes da Polícia Federal que cumpriram ordens ilegais, deputados e senadores covardes que permitiram o fechamento de fato do Congresso, todos eles participaram do mesmo crime de omissão. A Constituição foi rasgada diante de todos, as instituições foram reduzidas a uma encenação grotesca e a impunidade se tornou rotina, com um consentimento institucional e midiático impressionante..
A lição de Nüremberg é cristalina: crimes de tirania não se combatem com tapinhas nas costas ou acordos de bastidores. No mercy for the losers – diria Trump, e teria razão. Não há piedade para carrascos togados, nem tolerância para ditadores de beca.
É preciso sepultar, de uma vez por todas, a mentalidade brasileira que confunde rigor com vingança, como se punir monstros fosse uma injustiça estética. Não se trata de revanche: trata-se de justiça plena, de impedir que assassinos institucionais continuem a agir.
Com eles, não há meio-termo, não há reconciliação, não há abraço de paz.
Só punição exemplar, sem piedade, porque ditadores que matam e torturam merecem apenas isso, exatamente como a História ensinou.
























