Por Natália Brito (*)
A proposta da Analemma Tower — um arranha-céu suspenso do espaço, ligado a um “asteroide em órbita geoestacionária” — causa fascínio imediato e amplia o debate sobre os limites da arquitetura. No entanto, ao mirar o céu, o projeto talvez se afaste das questões mais urgentes que ainda clamam por soluções aqui na Terra.
A arquitetura sempre teve a vocação de sonhar. Desde as pirâmides até as cúpulas modernas, o desejo de vencer a gravidade e tocar o impossível faz parte da sua linguagem simbólica. É dentro dessa tradição que nasce a Analemma Tower, proposta do estúdio Clouds AO: uma torre que não se apoia no solo, mas flutua sobre o planeta, conectada a um asteroide e desenhando trajetórias pelo céu como uma cidade suspensa.
A imagem é poderosa. A torre atravessa continentes, oferece vistas sobre-humanas e promete uma vida em constante movimento — do nascer ao pôr do sol, da troposfera à estratosfera. Sem dúvida, trata-se de uma provocação arquitetônica legítima, capaz de inspirar novas formas de pensar o espaço, a mobilidade e até a moradia em tempos de superpopulação.
No entanto, é precisamente nesse ponto que o projeto suscita reflexão. Ao idealizar uma torre flutuante de 50 mil quilômetros de extensão — uma escala que beira a ficção científica — ele nos convida a imaginar um futuro que, embora visualmente deslumbrante, parece cada vez mais distante da realidade cotidiana de milhões de pessoas. Seria essa ambição um exercício visionário ou um gesto de escapismo?
É preciso reconhecer o valor da arquitetura especulativa. Ela não existe para ser construída agora, mas para deslocar nossos paradigmas e testar os limites do pensamento. Ainda assim, quando a especulação ignora o solo em que se insere — ou do qual literalmente se desconecta — corre-se o risco de perder o vínculo com as necessidades humanas mais fundamentais: moradia acessível, equilíbrio ecológico e soluções humanas.
A Analemma Tower, ao propor um edifício que nunca toca o chão, corre o risco simbólico de também não tocar os problemas concretos das cidades contemporâneas. Em tempos de colapso climático, déficit habitacional e segregação urbana, imaginar edifícios ancorados no espaço soa, no mínimo, como um luxo conceitual.
Isso não invalida sua relevância como experimento de linguagem. Pelo contrário, é justamente por ser tão ousado que o projeto deve ser debatido com responsabilidade. A arquitetura não precisa abandonar o sonho — mas talvez precise escolher melhor os sonhos que quer projetar.
Concluo com uma observação: o futuro da habitação pode — e deve — ser inspirado. Mas para ser verdadeiramente transformador, ele precisa, antes de tudo, dialogar com a realidade. Nem sempre olhar para o ‘espaço’ é sinônimo de progresso. Às vezes, é no chão que estão as respostas que mais importam.
























