Por Amauri Meireles (*)
Já manifestamos nosso entendimento de que a vida é vivida em um ambiente de insegurança. Inexiste o ambiente de segurança, seja em nosso país, seja em qualquer ponto do planeta, porque em cada lugar há uma peculiar matriz de insegurança.
Contudo, objetivando melhorar a qualidade de vida ou impedir sua deterioração, o ambiente de segurança, embora seja uma utopia, deve ser incansavelmente perseguido.
Para essa busca, a sociedade dispõe de instrumentos de proteção e de mecanismos de defesa. Os primeiros (a família, a escola, a igreja, a economia, o Estado) visam a controlar, mitigar vulnerabilidades, situações que ensejam surgimento e ampliação de ameaças ao país, ao povo, o que é feito através pregação do respeito a valores (ética, solidariedade, amizade, patriotismo, civilidade) e da obediência a regras de convivência em vigor (consuetudinárias e leis). Os mecanismos visam a tratar as ameaças que possam afetar a vida nacional ou perturbar a vida social.
Grosso modo, riscos e perigos são ameaças físicas, materiais, enquanto que receios e medos são ameaças psicológicas, emocionais.
O imponderável e o inopinado, que cercam as ameaças, asseveram a utopia de se viver em um ambiente de segurança. Diante dessa inexorabilidade, é o caso de cruzar os braços? Evidentemente que não!
Visto o Art. 144 da Constituição Federal, sociedade civil e sociedade política têm o dever de ir à luta, visando a restringir, minimizar ou, até mesmo, eliminar os riscos e os receios (ameaças latentes) e/ou os perigos e os medos (ameaças iminentes). Para isso, se atuar na causalidade é importante, fundamental é que se atue no nascedouro de causas e no refluxo dos efeitos geradores de ameaças à sociedade.
Logo, é absolutamente necessário que a prioridade seja a proteção social, porém, o foco está voltado, equivocadamente, apenas para o trabalho da polícia e, principalmente, da polícia criminal.
A prevenção e a repressão policiais estão sendo mais notícia por três motivos: Primeiro, as informações sobre os trabalhos de proteção social têm mínima ressonância subjetiva e pouca repercussão objetiva junto à sociedade, porque são minimamente divulgados, se comparados com o sensacionalismo que emoldura as notícias de crimes.
Segundo, o corpo social está deformado, física e moralmente, em razão de comportamento impróprio de grande parte da população, por não compreender o pacto social ou não o praticar. Forte origem estaria no descaso que envolve a educação em nosso país. Mais direto, com o educador, esse extraordinário agente formador do caráter dos cidadãos, que necessita ter resgatada sua grandeza profissional, iniciando-se pela restauração de sua dignidade salarial.
Terceiro, a sociedade está com muito medo, por mais que, objetivamente, esteja protegida. Ou seja, ainda que, em tese, todas as ameaças à população estivessem corretamente controladas, isso não seria suficiente porque não há a crença nesse fato, as pessoas não acreditam que isso é verdade, por não estarem adequadamente informadas acerca do fenômeno da insegurança.
As notícias sobre crimes têm, cada dia mais, efeito arrasador no corpo social. O receio, relativo a ameaças latentes, tem perdido espaço para o medo, como se estivéssemos, permanentemente, frente a ameaças iminentes, gerando uma estranha neurose. O medo tem contribuído muito mais para o aumento da sensação de insegurança que os riscos e perigos, porque, não havendo suficiente informação sobre o ambiente em que se vive, não há correta preparação e adequada adaptação. O medo do desconhecido é causa de distresse em quase 60% dos brasileiros, provocando tensões nas pessoas e nos ambientes que frequentam, corroborando BAUMAN: “os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo”.
Assim, os criminosos são vistos como mais destemidos, mais ousados, possivelmente porque manipulam o medo (consciente ou inconscientemente) em intensidade bem maior que a vontade do cidadão em vencê-lo.
A notícia de que um pedófilo está atuando no sul causa inquietação não apenas em famílias locais, mas, também nas do centro e norte do país; se a notícia é de que houve fuga de presos em uma cidade do Centro, famílias do norte e do sul correm para fechar portas e janelas; se há um assalto no Norte, pessoas do centro e no Sul pensam em comprar uma arma.
Essa ocorrência, a Ilusão de Isotopia, é aquela sensação de que se está vivendo naquele lugar onde aconteceu o fato, ou o sentimento de que, onde se vive, inevitavelmente ocorrerá o mesmo evento, gerando a “síndrome de próxima vítima” (Isotopia, do étimo grego: ísos = igual e tópos = lugar, de uso mais comum na física e nas correntes do estruturalismo nos anos 60/70).
Enfim, todo trabalho de proteção social, aqui incluída a prevenção criminal, ao contrário do que é propalado, não visa “aumentar a segurança”, mas, sim, reduzir as fontes de insegurança a patamares toleráveis.
Além do aspecto material, é necessário restaurar a crença na população através massificação de informações sobre a insegurança, programas e projetos de proteção social em andamento, êxitos alcançados, participação da comunidade, comportamentos e procedimentos a serem adotados pela população, criando condições para surgimento de uma ilusão de isotopia positiva, que passe a ser objetivo social a ser alcançado.
























