Por Amauri Meireles (*)
O Senado Federal votou e aprovou, na última quarta-feira, 28/05, a PEC 37 (Proposta de Emenda à Constituição), que inclui as guardas municipais e os agentes de trânsito no Art. 144 da CF/88, onde está o rol de órgãos que “exercem a segurança pública”. Agora, a matéria será discutida na Câmara Federal e, estima-se, deve ter um tempo mais abreviado do que o gasto nessa peregrinação.
Nessa citada caminhada, tropeções, equívocos não faltaram, mas houve muitas novidades, várias surpresas. Por certo, algo intrigante foram os neologismos trazidos pelo senhor ministro Luiz Fux: segurança urbana e policiamento ostensivo comunitário.
Essa expedição teve origem no Art. 144, §8º da Carta Magna vigente: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Fez uma destacada parada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, do qual se destaca: “O quadro normativo constitucional e jurisprudencial dessa Suprema Corte em relação às Guardas Municipais permite concluir que se trata de órgão de segurança pública, integrante do Sistema Único de Segurança Pública (Susp)”. Sua penúltima parada, no Judiciário, foi na tese de repercussão geral – que teve origem no parecer do senhor ministro Luiz Fux – em 20/02/25: “É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas guardas municipais, inclusive o policiamento ostensivo comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstas no artigo 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso 7º, da Constituição Federal. Conforme o artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional”.
É possível depreender-se que aquela autoridade reconheceu as guardas municipais como entidades administrativas de direito público, detentoras de Poder de Polícia, delegado por prefeitos respectivos, para integrarem o sistema de proteção do município. Embora não tenha sido explícito, infere-se que a guarda municipal é considerada instituição que executa atividade policial e que seus membros são policiais.
A última parada, no STF, se deu quando aquele órgão manteve decisão, do TJSP, que impede a Guarda Civil de São Paulo de usar nome de “Polícia Municipal”.
Ao final dessa andança, quando o assunto vai para o Legislativo, cabem observações sobre a receptividade desse Poder em relação às manifestações do STF.
A primeira é que o Senado acatou a decisão majoritária tomada no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, quando o Plenário do STF afastou todas interpretações judiciais que não consideram as guardas municipais instituições como integrantes do Sistema de Segurança Pública.
A segunda é que os neologismos do senhor ministro Fux – segurança urbana, policiamento ostensivo comunitário – sem uma conceituação nítida, são extremamente instigantes. O primeiro é dúbio: as guardas municipais podem atuar apenas na zona urbana, isto é, nas cidades, ou podem atuarem todo o município (na cidade e no território circunvizinho)? Já o segundo tem ares salomônicos, porque pode ajudar a dirimir dúvidas quanto aos limites de atuação das guardas municipais, “respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstas no artigo 144 da Constituição Federal”. Ou seja, as guardas municipais fariam operações de policiamento ostensivo uniformizado, comunitário, de proximidade, operações basilares, que vão de infringências às regras consuetudinárias até a intervenção em crimes de pequeno potencial ofensivo, que incluem as contravenções. Significa dizer que elas não realizam as demais operações de polícia ostensiva (operações de choque, operações de restauração da ordem). Já as polícias militares fariam operações de policiamento ostensivo fardado (farda, típico uniforme utilizado por instituições militares), em todas as suas variáveis próprias, e as demais operações de polícia ostensiva.
A terceira é que a PEC aprovada no Senado inclui, no Art. 144, inciso VII: “guardas municipais ou polícias municipais”. Ressalte-se, em total discordância com o parecer do relator, senhor ministro Flávio Dino, segundo o qual, nomenclatura é definida pela Constituição Federal e deve ser respeitada pelos municípios. Ao negar o pedido da Federação Nacional de Sindicatos de Guardas Municipais (Fenaguardas) para suspender de imediato a decisão do TJ-SP, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1214, o ministro Flávio Dino afirmou que a Constituição Federal é clara ao estabelecer que os municípios podem manter “guardas municipais”, e não “polícias municipais”.
Diverge-se, em parte, do senhor ministro Flávio Dino que decidiu – corretamente – que as guardas municipais não podem ter a denominação de Polícia Municipal, porque – erroneamente – seria um precedente perigoso, visto que “esses nomes” (?) estão previstos na CF/88. Não! Refulge cristalino que, na Carta Magna, citam-se substantivos comuns (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares, corpos de bombeiros militares, polícias penais federal, estaduais e distrital) e não substantivos próprios. Veja-se, p.ex., que a polícia militar do Rio Grande do Sul tem a denominação de Brigada Militar do Rio Grande do Sul. As guardas municipais, então, podem ter o nome Polícia? Sim, podem, tendo qualquer complemento, que não seja Municipal, porque a Polícia Municipal é o conjunto de polícias existentes no município, é o sistema policial municipal (polícia sanitária, polícia fazendária, polícia de edificações, polícia de trânsito e tráfego, polícia ambiental, etc.).
Fica a expectativa de que, na Câmara, equívocos serão desfeitos, erros serão corrigidos, porque, passando por uma sintonia fina, essa PEC pode contribuir, através de escalonamento, de integração de esforços, para reduzir a sensação de insegurança em nosso ambiente.