Sérgio Moreira (*)
Agosto de 2017, minha esposa e eu pisávamos pela primeira vez em Beirute, no Líbano. No mesmo agosto, desta vez em 2020, aconteceria na mesma cidade a fatídica explosão que deixou cerca de 200 mortos, 6 mil feridos, 300 mil desabrigados e prejuízos calculados em 15 bilhões de dólares. Uma tragédia que deixou grandes marcas.
O propósito de nossa visita naquele ano foi nobre: participar da Academia Maronita, um evento promovido pela Fundação Maronita no Mundo, uma organização sem fins lucrativos, cujo objetivo era a reunião de jovens de origem libanesa, vindos do mundo todo.
Realizado na Universidade Espírito Santo de Kaslik (USEK), constou de um ciclo de palestras das mais proeminentes personalidades libanesas sobre política, economia, cultura, comunicação, religião e cidadania. O objetivo era despertar a consciência das comunidades de expatriados do Líbano e de seus descendentes a respeito de sua herança e o direito à cidadania libanesa.
Foi uma oportunidade sem igual e um momento inesquecível para nós. Participar por duas semanas do encontro com jovens patrícios vindos dos EUA, Canadá, Europa, África do Sul e América Latina, criando assim uma rede de networking mundial, unidos com o mesmo propósito: o amor pelo Líbano. Do Brasil éramos quatro, todos mineiros: minha esposa e eu (do Vale do Aço), e mais dois amigos (uma da Zona da Mata e o outro do Sul de Minas).
O Líbano é um país, que desde épocas remotas, lançou seus nativos a terras estrangeiras. Parte disso, devido ao sangue fenício – povo de grandes navegantes e comerciantes que impulsionaram o comércio internacional – e aos conflitos enfrentados pelo povo libanês ao longo da sua história.
Segundo o professor Roberto Khatlab (que conhecemos pessoalmente durante nossa estadia), diretor do Centro de Estudos da América Latina da USEK, o Brasil tem a maior comunidade libanesa fora do Líbano. São cerca de 5 milhões de descendentes de uma onda migratória iniciada nos anos de 1880. A razão disso deve-se à visita de Dom Pedro II ao Oriente, quando a imprensa local exaltou as riquezas minerais e agrícolas do Brasil.
Conhecemos a magnífica Beirute, cidade cosmopolita: onde uma igreja cristã é vizinha de uma mesquita. Resume em si a síntese de um país, aonde se pode ouvir além do árabe: francês, inglês e pasmem, até português!
Estivemos em Byblos, a cidade mais antiga continuamente habitada do mundo. Possui mais de 7 mil anos de história, de onde surgiu um sistema de escrita de 22 caracteres – precursor do nosso alfabeto moderno.
O Líbano também é terra santa. Visitamos o Vale do Kadisha, que possui uma grande quantidade de importantes estabelecimentos monásticos cristãos primitivos do mundo. Outro lugar santo é Sidon, pois lá pisou Jesus Cristo. Foi lá também que ocorreu o último encontro entre os apóstolos: Paulo percorreu uma passagem secreta pelas muralhas da cidade para encontrar Pedro.
Mas a emoção maior foi rever as origens. Minha esposa possui parentes lá que até então ela não havia conhecido. Uma prima em especial, que já era fluente em quatro línguas e que estava aprendendo português só para nos receber. A prima e outros primos moram em Beirute, mas a família é oriunda de uma pequena vila no interior: a fantástica Ramilieh, situada nas montanhas da região do Chouf, onde tivemos o privilégio de participar de um autêntico casamento à libanesa.
Ficar uma semana a mais não foi o bastante, pois saímos de lá com a sensação no coração de que voltaríamos mais vezes. Apreciamos todos os abraços, sabores, temperos e aromas que esse país milenar poderia nos oferecer.
E pensar que antes de ir tínhamos o receio de visitar uma terra que já havia sido, por tantas vezes, palcos de conflitos. Puro preconceito! Lá nos sentimos muito mais seguros do que em qualquer cidade de médio e grande porte do Brasil.
De volta ao nosso país, entrei em contato com o experiente jornalista William Saliba, que se tornaria um grande amigo, e começamos o projeto do que viria a ser a Associação Cultural Líbano Brasileira de Minas Gerais (ACLB-MG), que reúne descendentes e apreciadores dessa cultura.
Antes do evento do dia 4 de agosto, o Líbano já estava passando por uma grave crise econômica e de abastecimento, pois desde outubro de 2019, a moeda nacional (lira libanesa) teve uma desvalorização em 80%. A população convivia com hiperinflação e via o preço dos alimentos subir vertiginosamente. E para arrematar, acontece o trágico evento: a explosão no Porto de Beirute.
Mesmo diante do triste cenário, há grande otimismo na reconstrução do país. No momento presente, a solidariedade de vários países que estão a enviar ajuda humanitária, principalmente suprimentos, serão imprescindíveis para alimentar a população, nesse momento de dificuldade.
O Papa João Paulo II afirmou, em 1984, ao se reunir com os patriarcas católicos, que “o Líbano é mais do que um país, é uma mensagem”. Não haverá melhor propulsor para a reconstrução do país do que a resiliência libanesa. O libanês possui em sua alma senso de otimismo, trabalho e uma forte resistência de não se curvar perante as mais penosas dificuldades.
Beirute é a Fênix do Oriente: já foi destruída e reconstruída anteriormente por sete vezes. Não restam dúvidas de que será reerguida por esse povo forte e orgulhoso de suas origens. Povo que demonstrará, como o cedro, árvore presente em todo país e estampada em sua bandeira (simbolizando a eternidade), que assim será Beirute. Como dizia o grande escritor e poeta libanês Gibran Khalil Gibran: “Crê nos sonhos, pois neles está escondida a porta da eternidade”.
(*) Sérgio Moreira é Engenheiro Metalurgista, mestre em Metalurgia Extrativa, MBA em Comércio Exterior e mestrando em Negócios Internacionais. Atua como presidente da Associação Cultural Líbano Brasileira de Minas Gerais (ACLB-MG) e também é delegado regional da Câmara de Comércio Líbano Brasileira de Minas Gerais (CCLB-MG)