Por Amauri Meireles (*)
A expansão do crime organizado (agora, com uma nova e fortíssima vertente, o crime cibernético) em nosso país é indiscutível. Nacionalizou-se!
O narcotráfico e as narcomilícias, antes localizados em setores da cidade do Rio de Janeiro, proliferam em outras cidades fluminenses e irradiam-se para várias regiões brasileiras.
A angustiante sensação de insegurança, localmente e, de resto, em todo o país, transportada pela ilusão de isotopia, deteriora a qualidade de vida dos brasileiros.
Em razão de a sociedade clamar por providências efetivas, em março deste ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, relançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – um fiasco proporcional ao eufemismo – que foi desativado pela presidente Dilma. O Pronasci 2 – que acentua o disfemismo “violência estrutural da Polícia” – deve ir para o mesmo destino, ainda que, no morde e assopra, distribua bolsa-formação para policiais.
Em outubro passado foi lançado o Programa de Enfrentamento a Organizações Criminosas – Enfoc – cujos pilares seriam a inteligência e a investigação.
Num primeiro momento, um certo alívio, que desaparece quando se observa que os eixos de suprimento (logístico e financeiro) dos criminosos não são os alvos prioritários. Por ora, não se tem informações sobre o andamento desse programa.
Agora, o governo decretou, na última quarta-feira (1º), uma paliativa Garantia da Lei e da Ordem (GLO), a ser realizada em alguns portos e aeroportos.
UMA DECEPÇÃO, UM VERDADEIRO PARTO DA MONTANHA!
Para a extensão e a profundidade elevadas que o problema tomou, esperava-se por um Plano Estratégico Nacional, que seria operacionalizado através da integração de esforços, federais, estaduais e municipais, minimamente, dos segmentos fazendários, de inteligência, de TI e dos que exercem a polícia investigativa e a ostensiva, que poderia, inclusive, evidenciar a necessidade de um específico Sistema Nacional de Contenção do Crime Organizado, trabalhando no modelo Polícia 4.0.
A área de atuação seria no território brasileiro, daí porque não caberia decretação de GLO, que somente pode ser realizada em áreas restritas.
Lembre-se que os mecanismos de proteção, as Defesas, realizados por Forças Públicas Federais (FPF) e Estaduais (FPE), devem ser compatíveis com as variações da Ordem, as quais, numa escala crescente de conflito, confronto, violência generalizada e ameaça à soberania vão de normalidade, alteração, perturbação, grave perturbação, gravíssima perturbação, luta interna até as Crises Internacionais Político Estratégicas (Cipe).
Nos três primeiros casos, o protagonismo é das FPE porque as ações são de Defesa Social, ou seja, as vulnerabilidades e as ameaças podem afetar o povo e/ou trechos do território. A Grave Perturbação da Ordem (GPO) caracteriza uma faixa cinzenta onde, de início, atuam as FPE. Esgotada a capacidade dessas e/ou tendo em vista o interesse nacional, evoluindo o quadro para Muito Grave Perturbação da Ordem (MGPO), o protagonismo na condução da Defesa passa a ser das FFAA. Isso é regra nas demais variações, tendo em vista o comprovado esgotamento da capacidade das polícias estaduais e/ou ficar evidente o interesse nacional.
Entende-se que o avançado grau de desordem, decorrente do crescimento do crime organizado, caracteriza, hoje, o estágio de GPO, mas não o de MGPO, o que, por ora, não ensejaria o emprego das FFAA no combate ao crime organizado.
É que esse esgotamento ainda não está comprovado, o que permite depreender-se ter havido açodamento na decretação de GLO. A falha não está nas polícias estaduais, que não atuam em portos e aeroportos e nem na autoridade portuária e aeroviária, aquela através da relegada Guarda Portuária (que faz polícia ostensiva) e esta com os Guarda e Segurança (GSGS) da Aeronáutica.
O Ministério de Portos e Aeroportos foi criado em janeiro deste ano e o atual ministro anunciou que está trabalhando um Plano Nacional de Segurança para Portos e Aeroportos. Ou seja, além de açodamento, atravessamento?
Ficam nítidos dois erros que comprometem todo o esforço de minimização e mitigação do crime organizado: o primeiro, a indefinição (ou incorreta estruturação) do problema, o que impede sua necessária e efetiva sistematização, fundamentalmente apoiando-se nas áreas da inteligência e da investigação; o segundo, um gravíssimo e genérico problema político-econômico continua sendo tratado como um específico problema policial.
Logo, a realização de “ações preventivas e repressivas” (como previsto na GLO) configura, tão somente, atuação na causalidade – vértice para onde fluem causas e refluem os efeitos da criminalidade.
Ora, isso é muito pouco! Não sendo priorizadas ações incisivas sobre as causas e sobre os efeitos, o que temos é um aumento no efetivo para encher o Tonel das Danaides.
Se o objetivo é conter a expansão da criminalidade e reduzi-la paulatinamente, aumentar o efetivo federal, pontual e temporariamente, para atuar, com mais intensidade, como polícia ostensiva, é absolutamente insuficiente para atingi-lo.
Enfim, uma questão estratégica, que exige esforços permanentes e contínuos, não pode ser conduzida com ações eventuais e intermitentes no nível operacional, apenas.
No oceano, em que se transformou a criminalidade organizada, montar um dispositivo para pescar piaba, chega a ser grotesco.
*Amauri Meireles é coronel veterano da PMMG, foi comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do 14º Batalhão em Ipatinga, membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública e membro da Academia de Letras Capitão PM João Guimarães Rosa