Por Walter Biancardine (*)
Na primeira parte de nossa história, publicada ontem, dissemos que o fantástico intelectual de esquerda – que acabou com a inflação graças aos amigos das elites, que a provocavam – seguiu os mesmos passos do “Líder-Sorriso”, o qual subornou o povo com automóveis, bossa nova, cinema novo e até com uma capital nova: mais uma vez, um semi-vermelho dava de bandeja o poder para alguém mais, digamos, “enérgico” em seu idealismo canhoto, sendo já a hora de um simpático Beberrão, notório comunista, entrar mais a fundo nos ideais perseguidos há tanto tempo. Vamos conhecer a segunda parte da triste história deste ensolarado, mas azarado, país tropical.
O plano consistia em oferecer um primeiro mandato bastante “paz e amor”, com vestes e trejeitos burgueses, para ganhar a confiança de todos – e tal objetivo foi plenamente alcançado, graças aos marqueteiros e ao sempre presente amparo dos arautos, mais conhecidos como “grande mídia”.
Ansiava nosso simpático beberrão por seu segundo mandato – era algo líquido (!) e certo, pois os arautos (mídia) estavam com os bolsos forrados pelo dinheiro estatal e a gratidão, nessas horas, não conhece limites.
Imaginava ele que poderia dar largos passos rumo à construção de seu tão sonhado “soviete”, ainda mais com a promoção – plenamente divulgada pelos arautos – dos “campeões nacionais”, que seriam empresários os quais haviam erigido seus impérios industriais e comerciais às custas dos dinheiros públicos e que, não apenas serviam de disfarce para um governo “que não iria estatizar tudo” como, também, permitiria interessantíssimas e lucrativas operações, digamos, “financeiras” entre membros da casta governamental e das elites.
Desfrutava já o Beberrão de seu segundo e sonhado mandato, planejando a entrega do governo ao seu amado sucessor, verdadeira “iminência parda” e cérebro central de toda essa estratégia. O circunspecto senhor – que até fizera plástica e mudara de nome no passado – lutava pelos mesmos ideais deste os tempos da ditadura “inimiga” dos Pretorianos – mas algo, infelizmente para eles, deu errado: um juiz, amparado pelas elites mais tradicionais (não aquela corja de novos-ricos do Beberrão), resolveu puxar alguns fios soltos e transações mal explicadas, feitas por achegados do Alcoólico, e todo o castelo de cartas vermelhas começou a ruir. E ruiu mesmo.
Antes que tudo desmoronasse, contudo, o Beberrão ainda conseguiu fazer seu sucessor – uma problemática, disléxica e sequelada senhora, sempre inapta para qualquer coisa, mas que serviria de “tapa-buraco” até que ele voltasse, em um terceiro e inédito mandato.
Mas – e a vida é cheia de “mas” – todo o grupo acabou preso, do Beberrão à sua iminência parda, passando por inúmeros integrantes da ala nobre e mesmo algumas elites tradicionais que, além de tudo, ainda foram indisfarçavelmente humilhados, já que um furioso velhote – filósofo e exilado em outro reino – dedicara metade de sua vida a ensinar algumas poucas pessoas sobre quais eram as reais intenções do infame grupo, vermelho de poder, e ninguém mais conseguiria esquecer seus ensinamentos e sabedoria, cuspidos entre baforadas de cigarro e palavrões.
Deslumbrado pela fama que seu trabalho angariara, entretanto, o tal juiz avançou demais em suas investigações e as mesmas começaram a apontar seus próprios patrocinadores – e isto era inaceitável, além de um prato cheio e fervente para o grupo vermelho, então caído em desgraça.
O resultado não poderia ser pior para o Beberrão: havia sido preso, sua sucessora fora chutada do poder pelos deputados e o vice da mesma – para mal dos pecados, pertencente às elites tradicionais – assumira o trono.
Entretanto, tal como vimos no início desta triste história, a sede de poder neste país tropical parece não ter fim, e mesmo seu vice não se sentia seguro. Assim, um providencial acordo foi proposto e prontamente contratado, por ambas as partes: aproveitando o destaque que os notórios deuses da Justiça haviam conseguido nos julgamentos das operações do pequeno e ambicioso juiz, seu vice indicou um seu capanga para que assumisse, naquela Corte, não apenas uma vaga, mas o cargo de ditador interino daquelas paragens – só ele, alegara o vice, conseguiria deter os dissidentes furiosos mobilizados e acordados pelo velhote exilado, com sua mão de ferro e auxílio dos piores criminosos e mafiosos do país.
E como ficaria a partilha do poder, perguntava o Beberrão? E o eterno vice explicou, com paciência vampiresca, que seu grupo de elite tradicional voltaria a mandar (como sempre) mas que, em reconhecimento aos bons serviços prestados, a corja vermelha seria presenteada com o cargo simbólico de “Presidente”. Após tudo resolvido, seu indicado na Corte continuaria a exercer seu papel de feitor – para que ninguém se irasse contra os verdadeiros mandatários – o Beberrão se aposentaria e o país seria, finalmente, entregue aos seus amigos muito mais ricos, fortes e poderosos, donos de outras ditaduras estrangeiras.
E todos encheriam os bolsos de dinheiro e seriam felizes para sempre.
Perguntará o leitor deste conto: “mas, e o povo?”
Pouco importa, já que em nenhum momento decidiram arriscar seus confortos para lutar pelo que era correto. Seguiram suas existências de vegetais, torcendo pelos times de futebol, ouvindo funk, sertanejo e pagode, vendo novelas na televisão e acasalando, descontroladamente, nos carnavais anuais. E tudo isso na mais extrema miséria, mas sempre amparados por esmolas do governo e pelos infalíveis aparelhos de telefone celular.
A moral da história já a revelamos no início deste conto: formigas ruins podem por a perder os esforços de todo o formigueiro, fazendo com que todas pereçam.
E nenhum de nós viveu feliz para sempre.