Por Walter Biancardine (*)
Recentemente escrevi artigo comentando sobre os símbolos muito bem utilizados por Donald Trump, em sua campanha eleitoral nos EUA. Tive especial cuidado em destacar o mecanismo de funcionamento dos mesmos – chamado, pela psicologia, de “ancoragem emocional” – nos remetendo a dias e acontecimentos felizes do passado, normalmente atrelados a idades em que pouca ou nenhuma responsabilidade ou preocupações possuíamos.
Impossível negar o contentamento que senti ao ver, “folheando” o feed de notícias do Facebook, um anúncio do inefável Agostín anunciando o perfume “Mito”, dedicado ao casal Jair Bolsonaro e Michele mas, obviamente, mais centrado na figura de nosso ex-Presidente da República.
Salta aos olhos, nesta série de anúncios, a figura de Bolsonaro posando diante de um bom, velho e saudoso automóvel Galaxie 500, do final dos anos 60 e início da década de 70 – e desnecessário se faz a ressalva que muitos dos eleitores do mesmo encontram-se em uma idade na qual viam, como crianças maravilhadas, tais enormes e impressionantes automóveis desfilarem pelas ruas mais sofisticadas de nosso país.
Sim, éramos crianças e passeávamos aos domingos – nossas belas tardes de domingo – normalmente em companhia dos pais, felizes e despreocupados, absorvendo cada “pixel” captado por nossos olhos, em êxtase de deslumbramento, pois tudo nos era novidade e cativava a atenção, mais presenteada ainda pelos costumeiros sorvetes, algodões-doces ou quaisquer outras guloseimas que faziam nossas pequenas faces ferverem, radiantes: olhos que toda novidade enxergavam e bocas que todas as delícias consumiam.
Belas e velhas tardes de domingo. Acordávamos, pela manhã, na hora em que bem entendíamos e após o lanche – sim, pois crianças não tomavam café da manhã – poderíamos ir brincar até a hora do almoço. E os almoços dominicais eram sempre especiais: normalmente um gigantesco frango assado (ou sei lá que espécie de ave seria), diversas opções de acompanhamentos e a principal atração para nós, crianças: a enorme garrafa de Coca-Cola “família”, um litro (pasmem!) inteirinho, só para a gurizada!
Na TV o programa de Sílvio Santos nos acompanharia toda a tarde, oferecendo desde um “Domingo no Parque” para os pequenos até a entrega de automóveis, sorteados na Vimave, sem esquecer do imperdível “Show de Calouros”; e esta seria a trilha sonora de tal dia festivo a menos que nossos pais ligassem o som e pusessem uma fita cartucho de Johnny Rivers, Frank Sinatra ou mesmo Sarita Montiel, como prenúncio do convite para darmos uma volta de carro – quem sabe até, por coincidência, um Ford Galaxie como o do anúncio de Bolsonaro?
Esta é a tal “ancoragem emocional” citada acima; muito mais que mórbido desejo de regressão, evidencia-se a busca pela recuperação da segurança que sentíamos. A felicidade exsudante, transpirante em nossos poros, o deslumbre em descobrir o mundo, a alegria, o riso e as mãos seguras de nossos pais nos conduzindo são traduzidas, em um mundo adulto, pelo desejo e capacidade de proporcionarmos aos nossos filhos o mesmo tanto que recebemos, no passado.
E para isso precisamos de uma economia segura, empregos, poder de compra e o exercício de provedores de nossos lares. Mais além: igualmente desejamos poupar as crianças de deformidades morais e conceituais, produzidas pela devastadora guerra cultural que ameaça sucumbir a sociedade como a entendemos e conhecemos.
A mecânica é simples e automática, reveladora dos mistérios de nossa mente e de nossas raízes mais profundas: ao vermos a pitoresca figura de um líder notório, posando recostado em um automóvel de nossa infância, o vínculo – irreversível – está feito, e compromete (no sentido de compromisso) aquilo que de mais íntimo possuímos, transformando desejos em ideais.
Adicionassem uma música – que tal “Paralelas”, do saudoso Belchior e cantada pela igualmente saudosa Vanusa? – ao anúncio e o vínculo se formaria de modo ainda mais profundo, pois tal fenômeno sabidamente se dá por nossas memórias visuais, auditivas e até olfativas e gustativas!
Ainda assim, é motivo de felicidade notar que Bolsonaro começa a empregar os mesmos símbolos que Donald Trump se vale, em suas maratonas pelos EUA.
Não é saudosismo, mas somente o desejo de viver em um mundo menos mau e, se possível, com algum encanto.
Os “wokes” que me perdoem, mas sedução é fundamental.
(*) Walter Biancardine é Jornalista, analista político e escritor. Foi aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, autor de três livros e trabalhou em jornais, revistas, rádios e canais de televisão na Região dos Lagos, Rio de Janeiro.