A inclusão de carnes e outros alimentos na cesta básica da reforma tributária brasileira pode levar o país a ter a maior alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) do mundo, superando a Hungria, segundo simulação realizada por técnicos do Banco Mundial a pedido da Folha de S.Paulo.
A simulação, feita em uma ferramenta criada pela instituição, indica que a alíquota dos novos impostos pode ultrapassar 27%, caso as carnes sejam mantidas na cesta básica. Essa estimativa supera as previsões iniciais do governo, que projetavam um IVA máximo de 26,5%.
Especialistas alertam que essa medida pode ter impactos negativos para a população, especialmente para as famílias mais pobres. O aumento do IVA pode encarecer diversos produtos, inclusive aqueles que não estão na cesta básica, impactando diretamente o poder de compra das pessoas.
A Câmara aprovou na quarta (10) o primeiro projeto de regulamentação da reforma, que traz um mecanismo para tentar limitar a tributação a 26,5%. Isso seria alcançado com o corte de benefícios a alguns setores, mas é necessário aval do Congresso.
O número de 26,5% é uma estimativa do Ministério da Fazenda com base na versão original do projeto. Esse percentual é apenas uma referência e não há obrigação de segui-lo caso os benefícios aprovados pelos parlamentares gerem perda de receita.
Segundo o Banco Mundial, a alíquota sobe para 27,2% com a inclusão de carnes (boi, peixe e frango), alguns queijos, sal, aveia e farinhas na cesta, somada à isenção para absorventes. A ampliação do cashback para as contas de água, esgoto, energia e gás natural leva o número para 27,3%.
A ferramenta no banco não permite medir a ampliação do benefício para medicamentos, também aprovada na Câmara, o que pode elevar ainda mais o percentual.
Veja abaixo quem ganha e quem perde com a desoneração da carne e como a alíquota geral será calculada.
ACÉM X STEAK DRY AGE
A reforma prevê que os novos tributos devem ter alíquotas que mantenham a arrecadação atual, baseada em impostos sobre o consumo que já estão entre os maiores do mundo.
O projeto aprovado na Câmara -e que será agora analisado pelo Senado- diminui a tributação dos alimentos em relação aos patamares atuais, reduzindo a arrecadação com esses produtos. Isso faz com que seja necessário aumentar a taxação de outros bens e serviços.
Para se ter uma ideia, a inclusão das carnes na cesta aumenta inclusive a alíquota dos alimentos que terão 60% de desconto nos novos tributos. É o caso de massas, sucos naturais, pão de forma e extrato de tomate. Também torna mais caros roupas, imóveis, veículos e eletrodomésticos.
A isenção também beneficia mais as pessoas de maior renda. O consumidor que comprar um quilo de acém por R$ 27 terá uma desoneração de cerca de R$ 7. Se a pessoa levar um steak dry aged por R$ 200 o quilo deixará de pagar R$ 54 em tributos.
Uma forma de acabar com essa distorção é cobrar o tributo de todos e devolvê-lo por meio de um cashback (devolução de parte do valor pago por famílias de baixa renda) ou aumento do Bolsa Família, opção que foi combatida pelas empresas do setor.
TESTE DA ALÍQUOTA
Atualmente, não é possível saber com exatidão qual a carga tributária de cada bem ou serviços, pois isso depende de questões como local de produção, benefícios regionais e tributos acumulados na cadeia produtiva.
Isso dificulta também estimar a alíquota dos novos tributos.
Por isso, haverá um período de testes a partir de 2026, quando será possível saber qual será a alíquota do tributo federal, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Essa contribuição vai substituir o PIS/Cofins, que atualmente é de 9,25% no regime não cumulativo, e tem alíquota estimada em 8,8%.
A reforma também cria o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), destinado a estados e municípios, que vai substituir o ICMS (atualmente em torno de 20%, a depender do estado) e o ISS (em geral, 5% cobrado pelos municípios).
O novo imposto é estimado em 17,7%, mas a alíquota também depende de um período de testes que, na prática, irá de 2026 a 2032, último ano da transição da reforma.
Em 2026, será cobrado 0,9% de CBS e 0,1% de IBS, como teste, compensado por uma redução equivalente no PIS/Cofins. O percentual do IBS também vale para 2027 e 2028. Em 2029, começa a ser aplicada uma alíquota parcial deste último tributo, que ainda vai conviver com o ICMS e o ISS até 2032.
As alíquotas de referência serão fixadas por resolução do Senado Federal, até 31 de outubro do ano anterior ao de sua vigência, com base em cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União) visando manter a arrecadação.
União, estados, Distrito Federal e municípios terão como opção utilizar essa alíquota de referência. Também podem, por meio de lei, fixar seus próprios percentuais, acima ou abaixo desse patamar. Nesse caso, precisam de aval do respectivo Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias Estaduais ou Câmaras de Vereadores).
Os entes também podem vincular sua alíquota à do Senado. Por exemplo: a alíquota de referência mais 1 ponto percentual. Assim esses percentuais serão atualizados automaticamente.
A reforma também prevê que, se a soma das alíquotas de referência resultar em percentual superior a 26,5%, o Poder Executivo federal encaminhará projeto de lei complementar ao Congresso Nacional, ouvido o Comitê Gestor do IBS, propondo a diminuição dos descontos nas alíquotas para profissionais liberais de 18 profissões e outros benefícios (incluindo saúde, educação e produtos agropecuários).
O CAMINHO DAS NOVAS ALÍQUOTAS
2026
Alíquota teste de 0,9% de CBS e 0,1% de IBS (com redução do PIS/Cofins)
2027
Cobrança da CBS com alíquota calculada pelo TCU e fixada pelo Senado
Alíquota teste de 0,1% de IBS até 2028
2029-2032
Cobrança gradual do IBS, com alíquotas calculadas pelo TCU e fixadas pelo Senado
2033
Cobrança total do IBS, com alíquotas calculadas pelo TCU e fixadas pelo Senado
Estados podem propor percentuais maiores ou menores
Na nota fiscal, a expectativa é que os dois tributos apareçam separadamente
_Fonte: PLP 68/2024_