Por Amauri Meireles (*)
Na mídia, a informação de que, na quarta-feira, 11 de dezembro, o senhor ministro Lewandowski, enviou minuta de decreto, à Casa Civil, sobre o uso da força pelas instituições policiais. Nessa proposta, estariam estatuídas a capacitação anual obrigatória, criação de comitê de monitoramento, além de diretrizes para operações policiais. Ou seja, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) elaborou ato normativo para instruir policiais sobre um “uso progressivo da força”, com o propósito de, com ele, reduzir a “violência policial”. É!…
A “grande” novidade seria a terminologia, onde não seria mais empregado o uso “progressivo” da força, mas, sim, uso “seletivo”.
Aplicando o vergonhoso, mas habitual, “morde e assopra”, o decreto estaria prevendo liberação de recursos para a “segurança pública”, se (sempre o se) os entes federados obedecerem à cartilha – ou à panaceia – a ser preparada e divulgada pelo MJSP, num prazo em torno de noventa dias, após o decreto entrar em vigor. Ou seja, repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional ficará vinculado ao cumprimento das diretrizes a serem fixadas pelo MJSP.
Note-se que, mais uma vez e dissimuladamente, o governo federal quer impor regras de observância imperativa aos governadores e prefeitos, que resistem tenazmente em não perder sua autonomia constitucional.
Naturalmente, num cenário em que a população já se mostra incrédula, em relação à hipótese de voltar a viver em um ambiente harmonioso, e os policiais, profissionais da salvaguarda da sociedade, estão perplexos com o insistente amadorismo de se focar a criminalidade, apenas, na causalidade, em detrimento do urgente e prioritário exame de causas e efeitos, as perguntas mais retumbantes, relativas ao decreto, são: por quê? Para quê?
Muito se poderia dizer sobre esse decreto totalmente desnecessário, que tem contornos de um “bode colocado na sala”, visando a desviar o foco da matéria que mais querem ver aprovada, qual seja a PEC da (IN)Segurança. Refulge cristalino que a matéria em foco deve ser tratada – aliás, já o é – em manuais, em procedimentos operacionais padrão (POPs), em notas instrutivas de comandos (de governadores, nem pensar!). Há, inclusive, um Grupo de Trabalho (GT) constituído para atualizar a Portaria Interministerial 4226/2010 – a qual, por sua vez, foi gestada por outro GT, criado à época–que regulamenta o uso da força nas atividades de aplicação da lei das instituições de segurança pública. Revisada, traria as posteriores diretrizes (ou seriam determinações?) de que trata o decreto.
Quem é do ramo sabe que não é fácil operacionalizar, seguir gradual e sucessivamente os passos sugeridos, em razão de ações inesperadas e surpreendentes que partem de atrevidos, ousados, desrespeitosos oponentes.
Ainda assim, a relação entre as frequentes condutas afrontosas de enfrentamento e eventuais comportamentos abusivos são absolutamente favoráveis às forças policiais. Obviamente, todos nós torcemos para que os números de ambos procedimentos se reduzam drasticamente.
Ressalte-se que nenhuma instituição policial aprova procedimentos violentos, covardes, atrabiliários. Comprovadas ações que se configurem em desvios de conduta, punições são exemplarmente aplicadas e publicizadas, ao passo que, lamenta-se, ações meritórias são frugalmente comemoradas, em razão de não terem a publicidade que deveriam ter.
Então, quando se pensa que o Estado vai dar uma resposta à sociedade aflita, temerosa, acuada, dominada pela síndrome de próxima vítima, em contraponto à ousadia, à covardia de marginais, ao aumento da criminalidade violenta, constata-se que ele nos atropela e prioriza proposta que inibe a Força do Estado de usar a força.
É importante relembrar que “violência policial” reúne fatos isolados, excepcionais, que surgem em ocorrências típicas, em localidades específicas. É um erro – ainda que no afã de proteger a sociedade – que deve ser evitado e, fundamentalmente, deve ser pesquisado: houve excesso, dolo, culpa ou foi uma reação a uma afrontosa coação irresistível, moral ou física?
E infalibilidade não existe nas várias atividades humanas, mas deve ser buscada, almejada. De acordo com o Anuário de Segurança Assistencial Hospitalar, publicado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 55 mil pessoas morrem por ano, no Brasil, devido a erros médicos, ou seja, cinco pessoas por minuto. Em 2023, o Brasil contava com 502,6 mil médicos, ou seja, 23,7 médicos para cada 10 mil habitantes.
O novo sistema do Ministério do Trabalho e Emprego, o eSocial, registrou em 2023 um total de 499.955 acidentes de trabalho, para um total de 100,7 milhões de pessoas ocupadas. No Brasil tivemos 2.888 acidentes fatais, no mesmo período,
O Brasil registrou 6.393 mortes por intervenções policiais em 2023, o que significa 3,1 mortes por 100 mil habitantes. Estima-se que o efetivo em instituições policiais (polícia federal, polícia militar, polícia civil, corpo de bombeiros, polícia técnico-científica, polícia penal, guardas municipais) esteja em torno de 800.000 homens e mulheres.
Vista a iniciativa do MJSP e considerando-se a desejável simetria relativa a iniciativas exitosas em órgãos públicos, é de se esperar que, logo, logo, o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho e Emprego elaborem, também, sagazes “atos normativos” (nos moldes da proposta do MJSP), para reduzir, respectivamente, erros médicos e acidentes de trabalho.
Enfim, voltando ao decreto, a criminalidade lírica, do ladrão de varais, de galinhas, passou! A criminalidade que assusta, hoje, é a pesada, que não tem o menor respeito à Ordem.
E, a população sabe, os caminhos para resgatar esse respeito são, preventivamente, a Educação para crianças e adolescentes, e, para a marginalidade adulta, rigor e vigor. Isto, infelizmente, não está ocorrendo no Brasil, fazendo crescer a ousadia, a covardia, a sensação de impunição de marginais.
A vontade e a autoridade do Estado é que devem imperar. Porém, em lugar de fortalecer essa máxima, a esplendorosa estrutura de especialistas do MJSP produz esse poético decreto, que é um verdadeiro tiro no pé!
A questão de direitos humanos vem sendo tratada de forma desastrada (para não dizer canhestra) em nosso país. Muito cheia de dedos, daí a razão de pessoas de bem serem colocadas em segundo plano: falta coragem para estruturar corretamente o problema, em razão de uma pseudo defesa dos direitos humanos.
No próximo trabalho que exigir dados sobre a violência, sugere-se que pesquisadores saiam de suas salas com ar-condicionado e façam a coleta in loco, de preferência sobrevoando certas comunidades de helicóptero.
No Brasil, em 2022, 172 policiais foram assassinados e 82 cometeram suicídios. Esse, sim, é um tema do qual o MJSP deveria ocupar-se.