Por Amauri Meireles (*)
Em recente entrevista à revista IstoÉ, o novo ministro da Justiça e Segurança Pública e assessores disseram, em relação à (in)segurança pública e, em particular, ao crime organizado, dentre outras coisas, que “não há soluções fáceis”, “é preciso asfixiar o crime organizado, retirando-lhe o dinheiro”, “é preciso que a gente olhe também para a desigualdade social”. A certa altura o repórter escreve que “a nova gestão ainda não delineou os projetos que pretende priorizar para debelar a crise de insegurança que toma conta dos brasileiros…”.
Começando minha manifestação pelo último assunto, é ótimo que os projetos não tenham sido delineados. Pelo menos, há a perspectiva de que pode surgir algo inédito, efetivo, e não a ressuscitação de jurássicos PRONASCIs, ineficazes GLOs e outras coisas do gênero. Há a esperança de que as pesquisas não abordem, apenas, “o quê” está acontecendo, mas, sobretudo, “por quê” está ocorrendo, isto é, quais as reais causas e efeitos da inquietante insegurança. E, dentro das alternativas de referência, que os planos, programas e projetos decorram da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (sic). Se ela é ruim, deficiente, inadequada que seja revisada, reestudada, atualizada.
De volta ao início da reportagem, de fato não há soluções fáceis, mas há soluções factíveis, que demandam vontade e inteligência (nos dois sentidos). É fundamental entender-se que a criminalidade, em geral, e a criminalidade violenta, em particular, não são questões, apenas, da área policial. Reitera-se a forma equivocada com que o problema vem sendo trabalhado: “cristalino problema sociopolítico vem sendo tratado como um macroproblema policial”. Significa dizer que é extremamente importante a elaboração de um Plano Pluriministerial, que não se ocupe tão somente de ações na causalidade (vértice onde atuam a Polícia), mas, também, identificando causas e efeitos e as medidas para mitigá-las. A coordenação pode ser do MJSP, mas a participação é de todos os ministérios. Sem isso, vamos continuar enxugando gelo.
Quanto ao eixo de suprimento do crime organizado, é notória a necessidade de se bloqueá-lo. Aliás, sobre isso, em 2020, escrevemos o artigo “Polícia 4.0” (disponível no Google), onde alertamos que “Levanta-se a tese de que, na questão das organizações criminosas (orcrim), podem surgir as ‘criminaltechs’, para dar suporte à criminalidade 4.0”. Ninguém se atreveu, ainda, a colocar o guizo no pescoço do gato. O ministro terá coragem para fazê-lo ou vamos continuar assistindo a periféricos paliativos?
Ao final da entrevista, muita indefinição e pouco conteúdo, um sucessor não segurou a veia populista, abordou a desigualdade social como causa da criminalidade. Caramba, esse trem já partiu! Além do mais, o tratamento desse fenômeno social não cabe ao MJSP, porque é, no máximo, um fator componente da criminalidade, mas, jamais, um fator determinante. Está mais do que provado que nem todo excluído social é bandido e nem todo bandido é excluído social. Há inúmeros países, com IDH (índice de desenvolvimento humano) e PIB muito menores do que os do Brasil, que têm ICrim (Índice de Criminalidade) bem menores que nosso país. É uma questão cultural: a criminalidade é diretamente proporcional ao volume de desobediência às regras sociais e ao desrespeito aos valores sociais.
E aí é que entra um problema multissetorial, que vem passando despercebido: a Distopia Estatal, ou seja, a ausência ou funcionamento anômalo de órgãos estatais, com destaque para os da assistência social e da educação. É notório que, quanto maior essa distopia, maior a demanda por Polícia, responsável por conter (diferente de impedir) a desordem, através da presença real ou potencial, inibindo vontades ou obstaculizando oportunidades.
Enfim, fica a expectativa de que essa nova equipe saiba estruturar corretamente o problema da (in)segurança criminal. Certamente, será um problema quase solucionado!…
*Amauri Meireles é coronel veterano da PMMG, foi comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do 14º Batalhão em Ipatinga, membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública e membro da Academia de Letras Capitão PM João Guimarães Rosa