Por Amauri Meireles (*)
A expressão “presente de grego” sempre me intrigou. Tinha a suspeita de que não era nada bom, mas não sabia, ao certo, o que significava. Com o tempo, aprendi que se referia ao Cavalo de Tróia, construído pelos gregos e entregue aos troianos, que consideraram ser um presente dos deuses. Daí, creio, os caros leitores sabem o que aconteceu.
Lembrei-me desse evento, narrado na Ilíada, de Homero – por estarmos comemorando o Natal, data em que, tradicionalmente, damos e/ou ganhamos presentes – mas, principalmente, por ter lido o Decreto Nº 12.341, de 23 de dezembro de 2024, que disciplina o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública. Referido decreto regulamenta a Lei nº 13.060, de 22 de dezembro de 2014, a qual disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional.
Portanto, antes de se entrar no mérito, verifica-se que a lei fala em disciplinar “o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo”, mas o decreto, indo além, fala em disciplinar “o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública” (g.n.), que são fatos distintos. Estes compõem um item da gradação daquele.
A Lei 13.060/2014 prescreve que os órgãos (?) de segurança pública – as polícias administrativas (sanitária, fazendária, de edificações e outras estariam incluídas?) – priorizem o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo “nas situações em que a integridade física ou psíquica dos policiais não estiver em risco”, obedecidos os princípios da legalidade, da necessidade, da razoabilidade e proporcionalidade.
Citada lei, em seu Art.7º, estabelece que “O Poder Executivo editará regulamento classificando e disciplinando a utilização dos instrumentos não letais”. E, pasmem, o Executivo solta um decreto truísta e que se atém, somente, a algo que não é tratado pela Lei 13.060: o uso da força.
Por oportuno, lembre-se que “emprego/uso da força” é um recurso que o Estado detém – operacionalizado pelas forças policiais – para garantir a Ordem, imposta pelo próprio Estado. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) apresentou, em 2006, um modelo básico de uso progressivo da força: presença física, verbalização, controle de contato, controle físico, táticas defensivas não letais, força letal.
Ocorrerão eventuais ações equivocadas, indevidas, sim, mas que não representam esmagadora maioria de procedimentos policiais corretos.
Certamente, o leitor deve estar atônito com a perda de tempo e dinheiro gastos com esse rosário de equívocos, de desencontros, de superfluidades, de paliativos, de atendimento a clamores ideológicos, que não coincidem com as necessidades e anseios da maioria da população.
E, então, voltamos ao “presente de grego”. Quando a sociedade – angustiada, temerosa, apavorada com a ousadia, a covardia, com a sensação de impunição que tomou conta de criminosos, detentores de armamento sofisticado, mais letal que os de posse das forças policiais – espera por providências efetivas, o governo edita um decreto, fora do contexto, para controlar o uso da força pelas Forças Policiais.
Mais que um “Cavalo de Tróia”, é uma verdadeira túnica de Nesso, que, vestida (aceita) pelas Forças Policiais, decretará, aí sim, a gradativa morte dessas Instituições, sancionando o protagonismo de criminosos.
Pode até haver ilegalidade (lembrando que o decreto é infralegal) na chantagem, digo, no condicionamento de recursos à adesão, pelos estados, dos preceitos de observância imperativa do decreto. Além de inutilidade evidente, pois os estados poderão dizer que estão cumprindo as regras e que os desvios são ilícitos passíveis de punição, etc. Inconstitucionalidade (infringência à autonomia constitucional dos estados) talvez não haja, pois o senhor ministro Lewandowski foi guardião da Constituição (STF) e, por certo, não permitiria essa anomalia. Ou estaria sendo engambelado por disfemistas de polícia?
A responsabilidade de extirpar essa irresponsabilidade é dos atuais congressistas, mas há uma explícita descrença nestes que, eleitos para nos representar, é o que menos fazem.
Se de um lado a esquerda não consegue produzir qualquer coisa sobre Segurança, por desconhecimento da matéria e uma ideologia garantista pueril, a direita vive embalada em um punitivismo populista.
Fica a expectativa de que, em 2025, haja uma reviravolta nesse cruel lenga-lenga, com um efetivo engajamento de congressistas em buscar soluções objetivas, começando por atacar causas e efeitos da criminalidade.
Certamente, a responsabilidade principal cabe aos membros da “bancada da segurança pública”, que reúne profissionais da área, detentores de conhecimento e de experiência, o que falta nesses sonhadores, autores de documentos idílicos, porque, jamais, se assentaram em uma viatura policial, ficando frente a frente com o perigo, com o risco de morrer.
Enfim, decisões demagógicas, na contramão do que a sociedade deseja, somente aumentam o dilema dos guardiões da sociedade: atirar e ser preso e condenado ou, então, não atirar e deixar viúva e órfãos?