Por Edmundo Fraga (*)
Em 1808, pressionados pela invasão das tropas de Napoleão Bonaparte, Dom João VI e a nobreza portuguesa aportaram no Rio de Janeiro, então uma modesta cidade colonial. Aos olhos da corte, a nova capital era suja, feia e fedorenta. Além disso, sua localização costeira a tornava vulnerável a ataques estrangeiros, como o registrado no século XVI, quando a França Antártica ocupou brevemente a Baía de Guanabara.
No entanto, a ideia de afastar o poder central do litoral ganhou destaque apenas após a Independência. Em 1823, o estadista José Bonifácio de Andrada e Silva propôs à Assembleia Constituinte a interiorização da capital para o Planalto Central. Para ele, a mudança era vital para assegurar o controle sobre o vasto território brasileiro e prevenir sua fragmentação em pequenos países. Bonifácio sonhava com uma cidade planejada, estratégica e funcional. Em sua visão:
“Essa cidade deve ficar equidistante dos limites do Império tanto em latitude como em longitude, vai-se abrir, por meio das estradas que devem sair desse centro como raios para as diversas províncias, uma comunicação e decerto criará comércio interno da maior magnitude. Vai atrair para o centro o excesso da povoação sem emprego das cidades marítimas e mercantis.”
Apesar de sua visão futurista, a proposta não avançou. O tema só ressurgiu em 1946, durante a Assembleia Constituinte pós-Estado Novo. Entre as sugestões debatidas, a bancada de Minas Gerais defendeu o Triângulo Mineiro como local ideal para a nova capital. Curiosamente, um dos apoiadores dessa ideia era Juscelino Kubitschek, que, anos mais tarde, se tornaria o grande executor do projeto.
Eleito presidente em 1955, JK assumiu a tarefa de construir Brasília como parte de seu ousado plano de desenvolvimento nacional. Conforme o historiador francês Laurent Vidal, a obra foi mais que um gesto de planejamento; foi uma estratégia de sobrevivência política. Enfrentando oposição de setores conservadores e ameaças de golpe, Juscelino viu na construção da capital uma maneira de unir o país em torno de um ideal modernizador e consolidar sua legitimidade.
Inaugurada em 1960, Brasília tornou-se símbolo de modernidade e integração nacional, concretizando o lema de JK: “50 anos em 5”. Contudo, com o passar das décadas, críticas surgiram. A centralização administrativa, combinada à localização isolada da maioria da população, gerou uma percepção de desconexão entre o governo e os cidadãos.
Hoje, o debate sobre “mais Brasil e menos Brasília” ecoa a necessidade de descentralização política e econômica. Redistribuir poder e recursos exige uma reforma estrutural no pacto federativo, garantindo maior autonomia a estados e municípios sem aprofundar desigualdades regionais. Políticas de redistribuição e compensação devem ser fortalecidas para promover equilíbrio e desenvolvimento sustentável.
Brasília permanece como um marco de integração, mas também expõe os desafios de um país continental. O verdadeiro obstáculo não é apenas físico — a distância entre governantes e governados é, sobretudo, política e cultural. Para aproximar o poder das realidades locais, é preciso ir além de ajustes administrativos pontuais.
O Brasil necessita de um compromisso permanente com inclusão, justiça social e eficiência administrativa. Apenas assim será possível construir um país mais equitativo e próximo das aspirações de sua população.