Por Gabriel Jadson (*)
Hodiernamente, a base do pensamento ocidental e mundial tem o Capitalismo como modelo econômico, dos meios de produção, do trabalho assalariado, seja CLT, Autônomo, Pessoa Jurídica, etc. A lógica do século XXI a partir da criação das redes sociais – onde todos são “felizes” – e da Inteligência Artificial que substituem pessoas na criação de um texto, vídeo, ocorre a problematização de comparar-se com os outros, ora, como estas pessoas são felizes e outras não.
Pode-se observar que na década de 90 as propagandas de publicidade e marketing traziam uma simples margarina e toda uma família de pano de fundo com a felicidade plena. Ora, o que é a felicidade? Se perguntar, no senso comum está elencado aos prazeres, dinheiro, bebida, sensualidade, jogos, mas, dentro da psicanálise abordará como um mecanismo de fuga, ou seja, uma falta, privação ou traumas que trazem para a vida adulta. O filósofo Aristóteles na Ética a Nicômaco ensinava a justa medida, ou seja, o equilíbrio, nem a falta e nem o excesso, portanto, as pessoas tendem aos vícios seja de excesso ou de falta, gerando conflitos internos e externos.
Dentro da lógica do capitalismo, trabalhamos para ganhar dinheiro, às vezes num local de trabalho insalubre, ocorrendo doenças ocupacionais, mas a lógica é: ganhar dinheiro e aliviar a dor no consumismo, em compras, viagens, endividamento, logo, vira um ciclo vicioso. Portanto, as pessoas vivem cansadas e esgotadas, no dia a dia do senso comum, pergunta-se ao indivíduo como ele está? A grande maioria responde, estou cansado. Esse cansaço é devido a correria do trabalho, ansiedade, estresse, endividamento, burnout e como mecanismo de fuga, corre para os prazeres.
Ora, os estoicos ensinavam, que se deve buscar na serenidade, tudo aquilo que foge do meu controle não deve preocupar-me, pois não consigo resolvê-lo. A filosofia cristã ensina que não devemos nos preocupar com a vida, nem com o que comer ou beber, mas possuir a fé na Divina Providência, portanto, em Deus. O lema é: confiar e descansar, buscar a ausência das paixões, ou seja, dos sofrimentos e da escravidão dos maus pensamentos, pois as os bens superiores serão acrescentados naqueles que confiam na deidade.
A solidão, inúmeras vezes, é tida como algo negativo, ruim, de isolamento. Porém, para muitos, a solitude é uma forma de produzir, de estudar, de se aprimorar, é uma força interior que faz que os indivíduos avancem na ciência e tecnologia, nos conhecimentos filosóficos.
Mas por que nos sentimos solitários? Com a lógica de um mundo globalizado, as pessoas mudam de cidade em busca de uma vida financeira melhor, menos filhos, redes sociais, entretenimento que nos distrai e “máscara a felicidade”, etc. Infelizmente, os indivíduos até os dias de hoje não fizeram a reflexão filosófica socrática que diz: “Conhece-te a ti mesmo”. O mesmo Sócrates dizia que uma vida irrefletida não merece ser vivida, ora, muitas vezes as pessoas vivem no automático, acordam, tomam café, vão trabalhar, lazer, redes sociais, atividade física, porém, não param para refletir, para planejar. Portanto, hoje temos inúmeros “especialistas” que pensam pelas pessoas, pois as mesmas não refletem sobre a vida, a política, a ciência, a filosofia.
A solidão tornou-se uma espécie de carência, ou seja, falta de algo, um vazio existencial, as amizades não podem ser divididas, e nisto criamos as redes de conexões e de desconexões que abordaremos sobre as fragilidades das pessoas. O filósofo cristão-existencialista Kierkegaard dizia “que a tristeza é a doença da alma”. Ele dizia isto, pois vivia uma vida solitária, vazia, porém, para ele a superação se encontrava no Estado Teológico, ou seja, Deus.
Na modernidade, temos como métodos para aliviar a solidão, a tristeza, a depressão, a ansiedade, os métodos terapêuticos dos psicólogos, psiquiatras. Psicanalistas. Estes profissionais tratam a origem da solidão, das carências, dos traumas e dos transtornos, seja através da conversa e dos métodos das abordagens terapêuticas ou dos fármacos no caso dos psiquiatras.
Antes de perscrutar sobre as fragilidades dos relacionamentos deve-se compreender a etimologia da palavra eros (amor) que nasce da mitologia grega. Entende-se que o mito para o grego não é uma mentira, fábula, lenda ou invenção, mas era algo da imaginação e cheio de elementos fantasiosos, ao contrário do logos (razão).
Eros era considerado segundo a mitologia grega filho de Afrodite com Ares e é conhecido como o deus do amor e da sexualidade, na mitologia romana é chamado de cupido. O eros após a passagem mítica para o pensamento racional tomou a proporção de sentimentos, do homem em busca da sua “alma gêmea”, seu complemento e em última instância em busca do seu amado.
Para o filósofo Sócrates, o amor seria a forma de contemplar o bem em si. Assim, para Sócrates o amor (eros) é um dos deuses mais antigos; era um deus para aquisição da felicidade, da virtude desejada pelos homens. Ao contrário do ‘amor eros’, ‘o amor ágape’ significa amor incondicional, amor que se doa, se entrega. É a manifestação sublime e ascética, ou seja, é a superação do egoísmo e do individualismo. O amor ágape tem a finalidade de entrega, de se colocar no lugar do outro, o que eu não quero para “mim”, não desejo o mesmo ao meu próximo.
Pode-se perguntar: como surgiram as fragilidades dos relacionamentos? O eros grego como carência, falta, privação de algo, sempre estará em busca de um complemento, pois os relacionamentos não nascem da racionalidade mas de uma imposição aos seres. Observe que o eros converge com o amor líquido do pensador Bauman, no sentido que criamos relacionamentos em redes; sendo assim, os relacionamentos são frágeis, que se quebram fácil, pois existe uma insegurança de ambos os lados que estão conectados em rede ou, se não der certo, bloqueio, excluo e parto para uma outra busca.
A contemporaneidade está tão conectada em rede que este tipo de situação também gera crise na família e nas relações fraternais, percebe-se isso quando uma família se reúne. Praticamente todos estão conectados em rede, que também gera uma insegurança, um conflito, pois o outro fica “curioso” com o que está fazendo ou com quem está conectado, gerando a divisão.
O Eros, enquanto busca do amor, não pode ser fiel a si mesmo. Enquanto carícia e toque, torna-se prazeroso, mas na busca incessante de um relacionamento para suprir as carências e necessidades sentimentais, pode torna-se uma dor insuportável, de insegurança, medo e conflitos, pois trazemos sentimentos anteriores para o atual relacionamento, gerando confusões, brigas, discussões e em última instância a desconexão, ou seja, o término – o fim do relacionamento. Assim sendo, partindo para uma nova conexão, conclui-se que o amor passa de mão em mão, flui.
O filósofo Heráclito observava que a nossa realidade é dinâmica, que o mundo vive numa tensão de opostos. E afirma que o homem não se banha duas vezes no mesmo rio, ou seja, porque o rio corre (Cotrim, Fernandes, 2010). Trazendo o pensamento de Heráclito para a realidade do eros e do amor líquido, pode-se dizer que essa tensão de opostos nos leva ao descarte. Só existe o amor porque existe o ódio. Sempre estaremos em conflitos, nesta tensão de contrários, opostos.
Com a facilidade das redes sociais, criamos o mecanismo de defesa com a desconexão, descartando aquela dor transponível. Assim sendo, não tentamos superar os desafios dos relacionamentos através da razão (logos), do diálogo, da compreensão, da entrega, doação (ágape). Enfim, os relacionamentos sejam no âmbito da amizade ou do casamento se tornaram líquidos, frágeis e temporários.
(*) Gabriel Jadson é padre e pároco da Igreja Ortodoxa e Ipatinga e Caratinga