Por Ricardo Ramos (*)
No coração de qualquer democracia está o desejo por justiça. Um sistema judiciário confiável é, para muitos, a última linha de defesa contra abusos e desrespeito aos direitos humanos. Contudo, quando o mesmo sistema que deveria proteger os cidadãos se torna a causa de suas angústias e revoltas, a injustiça jurídica passa a representar uma ameaça séria, não apenas à confiança nas instituições, mas também à saúde mental e física de quem vive sob esse espectro.
O efeito da injustiça jurídica sobre o bem-estar dos cidadãos é profundo e abrangente. Em casos onde decisões judiciais são percebidas como injustas, muitos indivíduos se sentem traídos e abandonados, perdendo a fé em um dos pilares mais fundamentais da sociedade. Esse sentimento de traição, que pode parecer abstrato para quem nunca o vivenciou, é descrito pelos especialistas como uma experiência altamente estressante e desencadeadora de sérios desequilíbrios emocionais e psicológicos.
DESAMPARO E DESCONFIANÇA
Ao se deparar com uma decisão jurídica considerada injusta, o indivíduo frequentemente experimenta uma sensação de impotência. Esse sentimento não se limita à perda de um direito específico ou a uma derrota em tribunal. A sensação de impotência é agravada pelo fato de que, ao contrário de outros tipos de problemas, recorrer contra uma decisão judicial exige tempo, recursos financeiros e um nível elevado de resiliência emocional – elementos que nem todos dispõem. Muitos se veem diante de um impasse: aceitar uma decisão que consideram incorreta ou embarcar em um processo desgastante e, muitas vezes, de resultado incerto.
Esse cenário cria o que os psicólogos chamam de “desamparo aprendido”, uma condição onde, após sucessivas frustrações, o indivíduo perde a capacidade de reagir aos problemas de forma saudável, resignando-se à sua condição. O desamparo aprendido não apenas desmotiva o cidadão a buscar seus direitos, mas também pode levar à depressão, ansiedade e outros transtornos psicológicos. A injustiça jurídica, então, deixa de ser uma questão puramente legal e torna-se um gatilho para a desestruturação emocional.
SOFRIMENTO PSICOLÓGICO
Os impactos emocionais de uma injustiça judicial não se limitam à mente. Estudos em saúde pública indicam que o estresse prolongado, especialmente quando derivado de situações de impotência e frustração, pode resultar em consequências físicas graves. De acordo com pesquisas, o estresse contínuo afeta o sistema imunológico, cardiovascular e até o sistema nervoso, predispondo o corpo a doenças.
“Quando falamos em injustiça jurídica, não estamos apenas discutindo sentimentos de revolta ou frustração; estamos falando de um tipo de sofrimento que, quando crônico, pode literalmente adoecer o corpo”, afirma a psicóloga e pesquisadora Amanda Souza. “A ansiedade constante, a depressão e o sentimento de desvalorização geram um quadro que pode evoluir para problemas de saúde como hipertensão, doenças autoimunes e até problemas gastrointestinais”.
Estar à mercê de um sistema jurídico que se mostra falho ou parcial faz com que muitas pessoas experimentem sintomas psicossomáticos. O corpo, pressionado pela tensão emocional, começa a reagir de maneira física. Sintomas como dores de cabeça, insônia, tensão muscular e fadiga são frequentemente observados em quem vive sob o impacto da injustiça jurídica. Esses sintomas físicos, por sua vez, acabam gerando mais angústia, formando um ciclo difícil de romper sem um apoio adequado.
HUMILHAÇÃO
Além dos sintomas de ansiedade e do estresse físico, a injustiça jurídica também afeta a autoestima e a percepção de valor pessoal dos indivíduos. Especialmente em casos onde a decisão judicial é interpretada como discriminatória ou desrespeitosa, o impacto psicológico pode ser ainda mais devastador. A pessoa sente-se desvalorizada e humilhada publicamente, seja na presença de familiares, colegas ou até mesmo de uma comunidade.
Para aqueles que sofrem discriminação ou preconceito institucional, a injustiça jurídica é mais do que uma decisão equivocada – é uma negação de seus direitos e de sua dignidade. Esse tipo de tratamento tem o potencial de causar traumas emocionais que se perpetuam ao longo dos anos. Estudos apontam que o trauma resultante de experiências de injustiça, especialmente se ligado a preconceitos raciais, de gênero ou de classe, pode até ser transmitido às gerações seguintes, formando um ciclo de trauma transgeracional.
ALIENAÇÃO SOCIAL
A confiança no sistema judiciário é uma das bases da vida em sociedade. Quando essa confiança é destruída, o efeito se espalha para outras áreas. Cidadãos que se sentem injustiçados frequentemente passam a desconfiar das instituições como um todo, evitando se envolver em atividades sociais, políticas e até econômicas. A alienação social que resulta dessa perda de confiança pode levar ao isolamento e à marginalização, ampliando a desconfiança e criando uma comunidade dividida.
“A injustiça jurídica não afeta apenas o indivíduo diretamente envolvido. Ela desestabiliza a família, os amigos e, em casos mais amplos, toda uma comunidade”, observa o advogado e sociólogo Felipe Moura. “Quando uma sociedade passa a ver o sistema judiciário como injusto, surgem rachaduras nas relações interpessoais e na coesão social”.
ENFRENTAMENTO
Diante de um sistema que nem sempre garante justiça, a luta pela preservação do equilíbrio emocional torna-se um desafio essencial. Profissionais de saúde mental aconselham aqueles que sentem o impacto da injustiça a buscar apoio psicológico, que pode auxiliar no desenvolvimento de resiliência e na construção de uma rede de suporte. Terapias focadas no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento podem ajudar a lidar com a raiva, a frustração e o sentimento de impotência de forma mais saudável.
Além disso, a organização e a mobilização social têm mostrado que a união entre pessoas com experiências semelhantes pode ser um instrumento poderoso. Movimentos por justiça e igualdade, muitas vezes formados por aqueles que enfrentaram ou presenciaram injustiças, oferecem apoio prático e emocional, além de promover mudanças legislativas e sociais.
Para muitos, a luta contra a injustiça é também uma forma de redenção emocional. A sensação de que estão ajudando a construir um sistema mais justo e igualitário traz um alívio emocional e fortalece o sentido de propósito. A busca por advogados e organizações que promovam a justiça social também é um passo importante para aqueles que enfrentam dificuldades jurídicas.
Em uma sociedade saudável, a justiça é mais do que uma questão de normas ou processos legais; ela é uma necessidade psicológica e emocional. A confiança no sistema jurídico oferece uma base para a paz mental e a estabilidade emocional, enquanto sua falha em proteger e respeitar os cidadãos gera sofrimento e adoecimento. A injustiça jurídica, ao corroer essa confiança, compromete o bem-estar de toda a sociedade.
Em um momento onde cada vez mais se reconhece a interseção entre saúde mental e condições sociais, é urgente que o sistema judiciário e seus agentes atuem de maneira transparente e justa. Um sistema mais justo e inclusivo não apenas fortalece a confiança da população, mas também preserva a saúde física e emocional dos cidadãos. Afinal, a verdadeira justiça não se limita a tribunais e leis – ela é, acima de tudo, um pilar essencial do bem-estar humano.
(*) Ricardo Ramos é doutor em Teologia e autor de vários livros