O Supremo Tribunal Federal (STF), em uma apertada decisão por 6 votos a 5, validou o convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que obriga as instituições financeiras a fornecer dados de transações via PIX e cartões de crédito e débito para os estados. Sob a justificativa de fiscalização do ICMS, essa medida expõe milhões de brasileiros a uma vigilância sem precedentes e representa um perigoso precedente de quebra de sigilo bancário.
A Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) argumentou que essa regra imposta pelo Confaz viola o princípio constitucional de sigilo bancário, e com razão. O compartilhamento massivo de informações financeiras com os estados não apenas aumenta o risco de vazamento de dados, mas também abre a porta para o uso indevido dessas informações, como já temos visto com a crescente preocupação em torno da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Com as recentes falhas na proteção de dados em diversos setores, confiar cegamente que o Estado protegerá essas informações é, no mínimo, imprudente.
O risco real de vazamento de dados
Em um país onde a proteção de dados é constantemente comprometida, a decisão do STF parece ignorar as ameaças reais. O uso generalizado de informações financeiras para cruzamentos e averiguações fiscais coloca milhões de cidadãos à mercê de possíveis vazamentos, que podem ser explorados por criminosos ou usados de forma indevida por agentes estatais. Sem uma justificativa robusta e sem que esses dados sejam requisitados por ordem judicial, como prevê a Constituição, essa abertura indiscriminada de informações financeiras representa uma clara violação da privacidade.
Quebra de sigilo e liberdades individuais
A ministra Cármen Lúcia, que relatou o caso, argumentou que “não há risco de quebra de sigilo”, confiando no dever do Estado em proteger os dados. No entanto, não se pode ignorar o risco de uso arbitrário dessas informações para além das competências fiscais. O ministro Gilmar Mendes, em seu voto contrário, destacou o perigo de o Fisco lançar mão desses dados sem o devido equilíbrio entre a proteção da intimidade e a vigilância estatal, o que abre espaço para um cenário de abusos.
A proteção de dados deve ser sagrada, e o acesso a eles, restrito e condicionado a uma ordem judicial baseada em justa causa. Qualquer movimento contrário a isso é uma ameaça direta às liberdades individuais que tanto lutamos para proteger.
O perigo de um Estado vigilante
O mais alarmante nesta decisão é que ela representa mais um passo rumo a um Estado cada vez mais vigilante. Sob a justificativa de “proteger” e “fiscalizar”, estamos lentamente abrindo mão de direitos fundamentais. Essa escalada de vigilância estatal, travestida de preocupação com a arrecadação, pode facilmente se transformar em um mecanismo de controle autoritário, onde o Estado não só monitora, mas também interfere nas vidas privadas de seus cidadãos.
Estamos caminhando perigosamente para um cenário em que as liberdades individuais são gradualmente corroídas em nome de um bem maior. E a história já mostrou que regimes autoritários muitas vezes emergem sob a bandeira de proteger a democracia. Quando finalmente percebermos, pode ser tarde demais.
Panorama
A decisão do STF de validar o convênio do Confaz é um alerta claro de que estamos em uma trajetória perigosa. O Brasil precisa estar atento aos perigos de medidas que, sob o pretexto de fiscalização, acabam por sacrificar direitos fundamentais. É essencial que a sociedade e o Judiciário reconsiderem o equilíbrio entre o direito à privacidade e o poder de vigilância do Estado, antes que o Brasil adentre definitivamente em um cenário de autoritarismo disfarçado de democracia.
Essa é a hora de acordarmos e defendermos nossas liberdades, antes que elas nos sejam completamente tiradas.