Por Rafael Fonseca
Há muito tempo, a escala de trabalho 6×1 é motivo de debate, especialmente nos setores de varejo e serviços essenciais. Essa prática, que permite apenas um dia de descanso após seis de trabalho, pode ser exaustiva e comprometer a saúde física e mental dos colaboradores. Não há dúvida de que um modelo de jornada menos pesado seria um avanço em termos de qualidade de vida. No entanto, qualquer mudança desse porte precisa ser acompanhada por contrapartidas adequadas e o mínimo de planejamento. Se o governo deseja eliminar a escala 6×1, ele precisa estar disposto a dividir os custos com o setor produtivo.
Recentemente essa discussão ganhou novamente relevância, enchendo a timeline de todas as redes sociais. A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) tenta emplacar no congresso uma PEC (proposta de emenda à constituição) derivada do movimento “Vida Além do Trabalho”. Para que a iniciativa se torne uma matéria em tramitação na Câmara dos Deputados, a proposta precisa reunir, no mínimo, 171 assinaturas dos 513 deputados, além de enfrentar um longo processo até a aprovação. Atualmente conta com 134 assinantes.
O texto visa diminuir a jornada de trabalho sem que haja prejuízo salarial. Afinal, para variar, as empresas que arquem com toda a despesa extra da ausência do colaborador e dêem um jeito de cobrir o tempo e a produtividade perdida com isso, seja contratando mais funcionários para trabalhar em escala ou mesmo contratar um horista para cobrir os “furos” causados pela nova legislação.
Aliás, aí está uma forma rápida de resolver o problema. É adotar a contratação apenas de horistas. O problema é que a PEC proibiria o empregador de reajustar o salário em função de menos horas trabalhadas. O que você acha que isso ocasionaria? Demissão em massa, óbvio. Pois as empresas seriam forçadas a adotar escalas como a 4×3 sem apoio, a contratação de trabalhadores horistas e temporários e informais em substituição a empregos integrais também seria inevitável.
O efeito? Menos segurança, menos estabilidade e menos benefícios para os trabalhadores.
Implementar um novo modelo de trabalho sem compensações ou incentivos fiscais é exigir que as empresas arquem sozinhas com o impacto financeiro de uma redução na jornada de trabalho. No setor supermercadista, por exemplo, as margens de lucro já são extremamente apertadas, girando em torno de 2% a 5% em muitos casos, enquanto a folha de pagamento consome de 9% a 12% do faturamento.
Esse é um cenário que não dá, literalmente, margem para erros. Para adaptar-se a uma escala menos intensa, muitas empresas poderiam recorrer à automação e tecnologia, o que, sim, aumenta a produtividade, mas também ameaça substituir postos de trabalho!
Para que o fim da escala 6×1 seja viável, o governo precisa pagar a sua parte. Diminuir a carga tributária sobre a folha de pagamento seria um passo interessante, compensando os custos adicionais que recairiam sobre as empresas. A folha de pagamento no Brasil carrega um peso fiscal considerável, e uma desoneração daria aos empregadores a flexibilidade de adaptar-se à nova realidade sem precisar reduzir empregos ou cortar benefícios. Com a folha menos onerada, as empresas podem investir em inovação e em reestruturações que mantenham a empregabilidade.
Além disso, incentivos fiscais específicos para empresas que aderirem de forma opcional à nova jornada poderiam ajudar a evitar demissões em massa. Contratar mais pessoal para cobrir as horas que ficariam descobertas com uma jornada reduzida seria menos arriscado financeiramente se houvesse estímulos que beneficiassem quem segue as novas normas.
Sabe o que é isso? Liberalismo. As empresas seriam livres para oferecer uma escala mais justa aos trabalhadores e isso seria visto como benefício. Os melhores trabalhadores iriam preferir estas empresas em detrimento das outras e isso causaria competitividade entre elas.
Mas o compromisso do governo não deve parar por aí. Em um país onde a carga tributária é altíssima e afeta diretamente a competitividade das empresas, é frustrante ver o peso dos tributos constantemente financiando uma máquina pública cada vez mais cara e inchada. Se é preciso que o setor privado absorva mudanças profundas para o bem-estar da população, o governo precisa dar o exemplo, reduzindo o próprio custo e melhorando a eficiência dos recursos públicos. O Estado precisa sair da posição de “bom moço”, como se apenas o setor produtivo devesse arcar com as despesas.
Apoiar uma jornada menos exaustiva, que respeite a qualidade de vida, é algo que todos podemos entender e apoiar, mas não podemos permitir que isso aconteça às custas exclusiva dos empregadores e empregados. Um país mais justo não se faz apenas com boas intenções, mas com políticas fiscais e trabalhistas que distribuam o peso da responsabilidade. É preciso criar uma aliança entre o setor público e o privado, em que o governo pague sua parte e as empresas possam adaptar-se sem ver o emprego de tantos trabalhadores comprometido.
Se o governo deseja o fim da escala 6×1, deve estar preparado para dividir a conta.