O Comando do Exército detectou uma suposta tentativa de fraude durante uma licitação para a compra de camas, mochilas, óculos, barracas, coldres e outros itens, cujo valor total estimado era de R$ 218 milhões. O pregão aconteceu nesta quarta-feira (26).
Uma empresa, que acabou sendo excluída do certame, estava prestes a ganhar contratos no valor de R$ 58 milhões. Ela pertence a um empresário sob suspeita de integrar um esquema que utiliza “laranjas” para obter contratos milionários com o Exército. Este esquema foi revelado pelo portal Metrópoles em dezembro de 2023 e está atualmente sob investigação do Ministério Público Militar (MPM).
A licitação em questão foi aberta para comprar diversos itens necessários à caserna. A empresa MR Confecção e Representação Ltda., sediada em uma sala comercial na Asa Sul, em Brasília, com capital de R$ 100 mil, ficou em primeiro lugar em 13 dos 36 lotes do edital, cujos valores somados chegam aos R$ 58 milhões.
Ao vencer esses lotes da concorrência, caberia à empresa fornecer 376,8 mil equipamentos dos mais diversos ao Exército. Em editais desse tamanho, torna-se mais minuciosa a análise dos atestados de capacidade técnica. Trata-se de documentos nos quais outras empresas ou órgãos públicos afirmam que a empresa inscrita tem condições de fornecer os itens licitados.
O atestado de capacidade técnica da MR Confecção foi fornecido pela Comercial Maragatos, também de Brasília. No papel, um diretor dela afirma que a MR Confecção já lhe forneceu milhares de tendas, toldos, barracas e bolsas, entre outros itens. Todos entregues “pontualmente”, com a “qualidade de acordo com o exigido” e de “forma satisfatória”. O documento data de 2017.
Acontece que tanto a MR Confecção quanto a Comercial Maragatos têm um único sócio: o empresário Arthur Washeck Neto, famoso por ter sido preso em 2007, em meio ao escândalo de licitações nos Correios que desaguou no Mensalão. Foi ele quem mandou gravar um diretor da estatal recebendo propina e admitindo ter aval do então deputado Roberto Jefferson (PTB), que seria um dos pivôs do escândalo.
A denúncia da fraude foi feita por um concorrente do edital, após a MR Confecção ter sido habilitada e conseguir se sagrar como primeira colocada nos diversos itens da licitação. Pregoeiros do Exército afirmaram estar expresso no edital que não seriam aceitos “atestados de capacidade técnica emitidos por empresas que pertençam ao mesmo grupo econômico ou que possuam sócios em comum”.
“Ao realizar as pesquisas no SICAF [Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores do governo], verificou-se que a empresa que forneceu os atestados de capacidade técnica possue o mesmo sócio, o Sr. Artur Wascheck Neto. Dessa forma, diante de todo o exposto acima, conclui-se que a empresa descumpriu a previsão editalícia constante do item 8.1.2 do edital deste certame.”, afirmaram os pregoeiros, ao desclassificar a MR Confecção.
ESQUEMA COM LARANJAS
Em dezembro de 2023, o Metrópoles revelou a ligação de Washeck com empresas em nome de laranjas que haviam levado R$ 20 milhões em contratos com o Exército. Após as reportagens, cinco inquéritos foram abertos pelo Ministério Público Militar (MPM) para investigar o caso e o Exército suspendeu todos os contratos.
Em nome de jovens de 20 anos de outros estados, as empresas tinham endereços também em Brasília e digitais de um mesmo contador. O esquema também envolvia apresentação de atestados de capacidade de empresas com conexões entre si.
Parte das empresas em nome de jovens têm como contato um endereço de e-mail usado por Wascheck em licitações no Exército, e também para registrar suas próprias companhias junto à Receita Federal. O contato de e-mail, aliás, é o mesmo da MR Confecções.
Um ex-sócio dessas empresas foi condenado por crimes fiscais e confessou à Justiça que abriu seu CNPJ a pedido de um contador que atua para Washeck em nome de uma laranja que não tinha qualquer condição ou conhecimento sobre suas atividades.