Por Mário Plaka (*)
No país da carreta tombada, ninguém se espanta. É quase uma festa popular: o motorista agoniza preso nas ferragens e o povo organiza o “Arraiá do Saque”. Tem fila, tem distribuição, tem até quem leve caixa de isopor pra não estragar a cerveja do defunto.
Afinal neste país até roubar celulares para tomar cervejinha pode. Fala do ex-presidiário que comanda o circo.
Já virou tradição folclórica. Temos a “Procissão das Fraldas”, a “Romaria da Picanha” e até o “Bloco da Galinha Depenada”. E o refrão é sempre o mesmo: “o seguro paga”. Ora, se o seguro paga, então o santo da malandragem abençoa.
O crime virou piada, a vergonha virou selfie, e o saqueador agora é tratado como herói popular. É o Gerson canonizado: padroeiro nacional da vantagem em tudo. Enquanto isso, o trabalhador honesto segue como o bobo da corte — aquele que ainda paga imposto, estuda, empreende e acredita que o certo é certo. Que atraso!
Nas redes sociais, a coisa piora. Influenciadores de araque viraram novos coronéis da moral: prometem riqueza com apostas, fama com baixaria e sucesso com pornografia. São os novos “curupiras digitais”, que não produzem nada, mas conseguem inverter até as pegadas da dignidade. E o povo aplaude, como se ver o poste mijando no cachorro fosse entretenimento.
A grande questão é: até quando vamos achar graça da própria desgraça? Até quando o saque será tratado como mutirão solidário e não como roubo? O Brasil não quebra por falta de riqueza, mas por excesso de desculpa esfarrapada.
Se quisermos endireitar essa carreta tombada que chamamos de país, temos que trocar os santos e ídolos. Ao invés de venerar o malandro, dar palco ao picareta e likes ao trapaceiro, precisamos canonizar o anônimo que trabalha, paga imposto e ainda consegue dormir em paz.
Porque, convenhamos: cada saque na estrada não é só um caminhão tombando. É a própria dignidade nacional sendo carregada em sacolas plásticas, esfarelando pelo asfalto.
E o seguro? Ah, o seguro não cobre vergonha alheia e nem o mau-caratismo.
