Por Mário Plaka (*)
As discussões que emergem nos bastidores entre ministros do Supremo Tribunal Federal e integrantes do Congresso sobre a revisão das penas aplicadas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro escancaram uma verdade incômoda: há, no mínimo, o reconhecimento de que as sentenças podem ter ultrapassado o limite do razoável. Fala-se agora em reformular a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, criada em 2021 para substituir a antiga Lei de Segurança Nacional — e que passou a ser usada como base para enquadrar aqueles eventos.
O debate gira em torno de dois tipos penais: tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Hoje, muitos ministros somam as penas desses dois crimes, o que resulta em condenações elevadas, que beiram o absurdo. Há quem defenda, inclusive, a unificação desses tipos penais em um só.
Mas o ponto crucial foi trazido à tona pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello. Para ele, não há como se falar em tentativa de golpe de Estado sem o apoio das Forças Armadas. E, de fato, nenhum levante popular desarmado e desorganizado pode ser equiparado a uma insurreição militar. O que se viu no 8 de janeiro foi uma sucessão de falhas do Estado, uma ausência proposital de contenção que permitiu a escalada da desordem. E se o Estado, com todo o aparato policial à disposição — Federal, Militar, Civil e até forças especiais — não atuou quando deveria, quem deve responder por omissão são os agentes públicos responsáveis por garantir a segurança das instituições, e não apenas cidadãos comuns.
“A vítima não pode ser, a um só tempo, julgadora de si mesma”
Quando o ex-ministro Marco Aurélio Mello traz essa reflexão, ele revela o ponto mais sensível de todo o processo: o impedimento do ministro Alexandre de Moraes para julgar ações em que é parte direta — seja como vítima, seja como alvo de planos contra sua própria vida. Isso, por si só, deveria afastá-lo dos julgamentos. O Supremo, que deveria ser guardião do devido processo legal, tem se transformado em parte ativa do conflito, ferindo de morte o princípio da imparcialidade.
A mesma Corte que hoje se debruça sobre as penas e discute revisões, é também aquela que ameaça considerar inconstitucional uma eventual anistia aos condenados — inclusive ao ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de liderar a suposta tentativa de golpe.
Mas, como lembrou Marco Aurélio, a anistia é ato soberano do Congresso Nacional. É o perdão que nasce do entendimento social, da necessidade de pacificação. É o remédio amargo que fecha feridas e evita que o país continue dividido.
E aqui cabe a reflexão: se a anistia for considerada inconstitucional agora, o que dizer das anistias do passado — aquelas que beneficiaram verdadeiros criminosos, assaltantes, terroristas e militantes armados que atentaram contra o Estado e a vida de inocentes? Se formos coerentes, deveríamos revogar todas elas. Mas não é isso que está em jogo. O que está em jogo é o uso seletivo da justiça — a aplicação da lei conforme a conveniência política do momento.
No fundo, o que se tenta justificar é o injustificável. E isso é o que mais ameaça o Estado de Direito. Quando o poder público passa a agir fora da lei para punir, perseguir e silenciar, transforma-se em algo pior que o crime que diz combater.
E, diante disso tudo, o povo precisa acordar.
Porque todos esses ministros, todos esses senadores e presidentes que ali estão, foram colocados pelo voto. Ainda que indiretamente, o poder que hoje oprime nasceu da escolha popular. O presidente que indicou o ministro, o senador que o sabatinou — todos receberam o aval do povo nas urnas.
Por isso, nunca é demais repetir:
Voto não tem preço. Voto tem consequência.
É com ele que se constrói a liberdade — ou se assina a própria sentença de submissão.
























