Por Walter Biancardine (*)
Triste é o destino daqueles alçados à posição de “heróis”, “mitos” ou “ídolos”: seus adoradores jamais aceitarão suas eventuais fraquezas humanas, ou seus limites físicos ou psicológicos. A turba, em ânsias pré-orgásmicas, não compreenderão – ou, sequer, cogitarão – haver o pobre coitado atingido alguma fronteira interna.
Vivemos em um tempo em que, pelas vésperas da manifestação do dia 16 de março, muitos aproveitadores, infiltrados e carreiristas se valem dos evidentes limites de Jair Bolsonaro para execrá-lo, tentando acabar com sua inconteste liderança da direita no Brasil, em favor de algum político ou partido que o financia e, o mais das vezes, em benefício próprio – como seja, em favor de alguma planejada candidatura a cargos públicos, no futuro.
Jair Bolsonaro tem limites, por certo. Um deles é o limite moral, ou teria facilmente liderado verdadeira e sangrenta convulsão social no país, a se espalhar em todo o território nacional. Do mesmo modo tem limites como marido e pai, pois estamos lidando com criminosos da mais baixa espécie que, sem hesitar, matariam toda sua família com requintes de crueldade – e pior: a grande mídia justificaria tais assassinatos, bem sabemos disso.
Além dos seus próprios, Bolsonaro também tem os limites claramente impostos por uma Constituição aleijada, projetada para um regime parlamentarista e que sonega quase todos os poderes inerentes ao cargo de Presidente da República, falsamente desculpado como “prevenção contra tentações autoritárias” – é o que se dizia então, nos idos de 1988, e que jamais permitiria que JB tomasse atitudes semelhantes às de Donald Trump, nos Estados Unidos.
Tais limites criaram o abortivo “presidencialismo de coalisão”, no qual o Chefe da Nação depende exclusivamente da maioria congressual para governar. Tal Congresso, entretanto, é financiado pela esquerda, que o fechou à custa de dinheiro antes mesmo que o STF o fechasse novamente à custa de chantagens – e isto impõe novo e claro limite a Bolsonaro.
Temos agora, por último, os esforços de uma ditadura do Judiciário agonizante, que pretende prendê-lo e, se possível, matá-lo na cadeia antes das eleições de 2026 – e isso, não há como negar, estabelece novo e poderoso limite pois, com seu passaporte apreendido, Bolsonaro sequer poderia fugir do país.
Qual o único personagem, em toda essa infindável novela chamada Brasil, que não dispõe de tais limites? Este ator é o povo brasileiro que, se por um lado pode ser reprimido à custa de cassetetes e até tiros, prisões e torturas, por outro lado sempre será vitorioso numericamente. E, excetuando-se a covardia sempre presente em alguns, por quê o povo jamais reage e limita-se a protestos de brinquedo, cuja única utilidade é tornar-se postagens do Instagram?
Porque o povo brasileiro sofre da maior maldição já lançada contra qualquer ser humano: a maldição de “acostumar-se” – e o povo “acostumou-se” com tudo: roubos, crimes, arbítrios, estelionatos, estupros, impostos absurdos, escassez, descaso, vilipêndio – a lista é infindável, tal qual a capacidade brasileira de “acostumar-se”.
E TAL PATOLOGIA SOCIAL MERECE UMA ANÁLISE MAIS DETALHADA:
A cultura do costume: a normalização do absurdo e a passividade social no Brasil
A capacidade do ser humano de se adaptar é uma qualidade notável, um mecanismo essencial para a sobrevivência. No entanto, quando a adaptação se degenera em resignação, e esta em passividade, a sociedade entra em um perigoso estado de letargia moral. No Brasil, temos o que já sabemos: a cultura de massa, por meio da música, do cinema e de outros meios de comunicação, tem desempenhado um papel fundamental na normalização do absurdo. Crimes, violência, vulgaridade e degradação cultural tornam-se corriqueiros, resultando na anestesia social e na incapacidade de reação.
O processo de normalização do inaceitável
O filósofo conservador Edmund Burke já advertia que “para o triunfo do mal, basta que os bons não façam nada”. A cultura de massa, ao tratar o bizarro como cotidiano, corrói a capacidade das pessoas de se indignar. Um exemplo claro é o consumo irrestrito de conteúdos que endeusam o crime e a degradação moral. No funk (batidão), por exemplo, letras que celebram o narcotráfico, a sexualização precoce e o desrespeito às instituições tornam-se trilha sonora de festas e celebrações, inclusive – e pior – da classe média. A repetição constante desse tipo de mensagem gera, evidentemente, um processo de dessensibilização coletiva que se espalhou pelo país, de maneira endêmica.
A indiferença gradual aos absurdos também se manifesta no cinema e na televisão. Filmes, novelas, games e séries glamurizam a criminalidade, como é o caso de produções que transformam traficantes em heróis populares, sugerindo que o crime é uma alternativa válida dentro da estrutura social. O resultado é uma juventude que, ao ser exposta diariamente a tais narrativas, passa a enxergar o ilícito como normal, quiçá desejável – um “olheiro” na boca de fumo ganha mais em uma semana que um “office-boy”, ao longo de um mês inteiro de trabalho.
A cultura da passividade: um ideal das elites
O filósofo alemão Theodor Adorno, em suas críticas à indústria cultural, destacava que a reprodução em massa de determinados padrões culturais tinha o efeito de embotar a capacidade crítica do indivíduo – uma espécie de “lavagem cerebral”. No contexto brasileiro, essa constatação se traduz na maneira como a sociedade reage aos escândalos diários: em vez de revolta, há resignação; em vez de mobilização, há apatia.
A famosa frase “o brasileiro se acostuma com tudo” revela um dos maiores problemas do país. Essa mentalidade, amplamente incentivada pela mídia e pela produção cultural, condena o cidadão a aceitar o inaceitável. Crimes se tornam estatísticas, escândalos políticos viram memes, e a decadência moral é disfarçada como “expressão cultural”.
Consequências da normalização do absurdo
Quando uma sociedade perde sua capacidade de indignar-se, ela também perde sua capacidade de reagir. Isso explica por que, no Brasil, a criminalidade avassaladora e a corrupção institucionalizada não resultam em grandes movimentos de resistência. A indignação momentânea dá lugar ao conformismo, um processo que apenas fortalece aqueles que lucram com o caos.
A normalização do absurdo também afeta a própria moralidade social. Ao se deparar constantemente com narrativas que banalizam o crime, o indivíduo perde sua referência moral. O que antes era condenável passa a ser aceitável, e a própria distinção entre certo e errado se dissolve.
A importância de termos alguma reação conservadora
Diante desse quadro, somente os conservadores – e jamais progressistas de quaisquer espécies – oferecem um caminho para a reconstrução dos valores fundamentais da sociedade. Pensadores como Roger Scruton enfatizam a importância da preservação da cultura e da moralidade para a manutenção da civilização. Não se trata de rejeitar a cultura popular em si, em sua quase totalidade inútil e nociva, mas de questionar os padrões que estão sendo promovidos e incentivar produções culturais alternativas, que valorizem a ordem, a família e a dignidade humana.
A reação passa por várias frentes e, por óbvio, tal não se dará em um mês ou mesmo em um ano: serão necessárias décadas de incentivo à educação clássica, de retomada de uma arte que exalte a beleza e a virtude, e da revalidação das instituições como pilares da sociedade. Cabe, desde já, aos indivíduos conscientes romper com a letargia, resistir à banalização do mal e resgatar a capacidade de se indignar e de lutar por uma sociedade que rejeite o absurdo como normalidade.
O Brasil vive um momento de anestesia moral, no qual a cultura de massa desempenha um papel determinante na normalização do inaceitável. Se “o brasileiro se acostuma com tudo”, talvez seja hora de nos desacostumarmos com a decadência e redescobrirmos o valor da verdadeira civilização.
Ou haveremos de descobrir, em breve, os nossos próprios limites.