Por Natália Brito (*)
O que faz um aeroporto deixar de ser apenas uma infraestrutura funcional para se tornar uma experiência memorável? Para além dos balcões de check-in e das filas de segurança, há edifícios que surpreendem pela beleza, pelo simbolismo e pela maneira como acolhem o viajante. O Prix Versailles, premiação internacional de arquitetura, destacou em 2024 três terminais que transformam a jornada aérea em algo próximo da contemplação.
Não se trata apenas de luxo ou tecnologia, mas de propósito. Cada um desses aeroportos foi pensado para traduzir, em linguagem arquitetônica, a alma de um povo, o espírito de um tempo e a urgência de um planeta mais consciente. Neles, estética e função caminham juntas, numa dança entre identidade cultural, sustentabilidade e inovação.
Em Singapura, o Terminal 2 é mais do que um ponto de conexão: é um jardim vivo no coração da Ásia. A reabertura do terminal contou com uma intervenção de tirar o fôlego — literalmente. Um dos destaques é a Wonderfall, uma cascata digital que corre sobre um paredão de plantas naturais, num espetáculo sensorial que combina arte, botânica e tecnologia. A obra, criada em parceria com o artista francês Patrick Blanc, é apenas um dos elementos do projeto que aposta em biofilia e integração com o meio ambiente. Há também um céu digital que simula, em tempo real, as condições meteorológicas externas, dissolvendo as fronteiras entre o real e o virtual.
Mas talvez o exemplo mais simbólico de fusão entre arquitetura e memória cultural esteja no México. O novo Aeroporto Internacional Felipe Ángeles, em Zumpango, propõe uma releitura do passado em linguagem contemporânea. Sua torre de controle lembra um macuahuitl — arma tradicional usada pelos astecas —, enquanto uma réplica da pedra do sol ocupa lugar de destaque no terminal. A presença de museus internos e áreas verdes, convida o passageiro a conhecer o país antes mesmo de deixar o saguão. O espaço não apenas respeita a tradição: ele a reativa, demonstrando que um aeroporto pode ser também um gesto de resgate e valorização histórica.
Já nos Emirados Árabes Unidos, o novo Aeroporto Internacional Zayed é uma ode ao deserto e à modernidade. Nomeado em homenagem a Sheikh Zayed, fundador da nação, o terminal impressiona tanto pela escala quanto pela linguagem arquitetônica. A estrutura, erguida com grande uso de materiais reciclados como madeira e aço, faz alusão aos elementos naturais da região — dunas, oásis, litoral — e consegue harmonizar tecnologia de ponta com uma estética que transmite calma. Com capacidade para processar até 11 mil passageiros por hora, o aeroporto alia eficiência e monumentalidade sem abrir mão da identidade local.
O que esses três terminais ensinam é que os aeroportos, longe de serem espaços neutros, têm o poder de comunicar valores, histórias e intenções. Quando pensados com responsabilidade cultural e ambiental, tornam-se verdadeiros marcos urbanos e emocionais — espaços onde a espera vira encantamento, e o embarque, uma espécie de ritual contemporâneo.
Mais do que edifícios de passagem, esses aeroportos são declarações de quem somos — e de quem queremos ser — enquanto sociedade global. E talvez esteja aí o verdadeiro papel da arquitetura pública: não apenas servir, mas inspirar.