Marcelo Dilla (*)
O inglês (naturalizado brasileiro) Ritchie, músico, cantor e compositor, jamais imaginou que um dia, uma de suas canções entrasse para a história da música brasileira, após um estrondoso sucesso em rádios, TVs e recorde de vendas de disco. Isso começou em junho de 1983, com a música Menina Veneno. Foi um sucesso sem precedentes.
Desde 1968 sou colecionador e pesquisador de músicas nacionais e internacionais, principalmente dos anos 60 e 70. Isso me levou a pesquisar o que significava a frase “abajur cor de carne”, no início da música.
A maioria das pessoas canta “abajur cor de caqui” ou “abajur cor de carmim”, no lugar do correto de “abajur cor de carne”. Fiquei intrigado e logo comecei a pesquisar o fato.
Nos anos 90, quando era questionado sobre o tal “abajur cor de carne” em algumas entrevistas, Ritchie nunca respondeu de forma clara e objetiva. Ele apenas se referia a uma frase alemã, que significa “cor de pele”. Isso porque após a Segunda Guerra Mundial, o cantor viveu durante algum tempo com o pai David Norman Court, oficial do exército britânico, na Alemanha.
Como também coleciono filmes e documentários sobre a Segunda Guerra, resolvi ir a fundo para resolver o mistério. O pai de Ritchie ao final do conflito, esteve presente no famoso Julgamento de Nuremberg, na Alemanha, onde foram condenados os líderes e comparsas nazistas, sobreviventes da Segunda Guerra Mundial.
Em um desses julgamentos, aconteceu a condenação de um casal nazista: o coronel da SS Karl Otto Koch e sua esposa Ilse Koch. O oficial nazista foi condenado à pena de morte e sua mulher Ilse à prisão perpétua. O coronel Karl durante a guerra, havia sido comandante de alguns campos de concentração, com destaque, para o último que ele comandou o de Majdaneck, na Polônia.
O Campo de Majdaneck acomodou mais de 250 mil presos, entre judeus, ciganos e políticos opostos ao regime nazista. Foi também em Majdaneck, que a esposa do coronel, Ilse Koch, começou, de forma mórbida, a colecionar em álbuns peles tatuadas (principalmente de judeus mortos). Ela também usava essas “peles” para decorar a sua coleção de abajures.
O casal foi punido em Nuremberg por crimes de guerra incluindo, torturas, mal tratos, assassinatos em massa e roubos. Como a história dos abajures feitos de pele humana circulou por toda a Europa, em algum momento, quando ainda criança ou adolescente, o cantor Ritchie provavelmente ouviu essa história de seu pai e ficou guardada em sua memória. Quando ele compôs a bela e romântica música Menina Veneno, seu subconsciente se manifestou e a frase “abajur cor de carne” acabou sendo incluída na letra, se tornando assim, a cereja do bolo de sua mais famosa canção.
Certa vez, nos anos 70, eu mesmo fiz uma música e citei um local, o Rio Pardo, onde meu pai pescava nos anos 60 e do qual ele sempre contava muitas histórias. Acredito eu, que provavelmente este deve ter sido o motivo da verdadeira história do “abajur cor de carne” do nosso querido Ritchie.
Detalhe: quem sabe a esposa do nazista Ilse Koch talvez seja, no fundo, a própria “Menina Veneno”?
(*) Marcelo Dilla é cronista, cantor e compositor e integrante da banda Creedence Cover.