Por Amauri Meireles (*)
Atualmente no Brasil, muito se fala de Economia 4.0 e, no rastro, Advocacia 4.0, Educação 4.0, Gestão 4.0, Indústria 4.0, que significa, para os técnicos, uso de TI (inteligência artificial) fomentada por data base com codificação preditiva e learning machine (aprendizagem da máquina). Ou é aplicação probabilística através de sistema de informações, que tem seus algoritmos adaptados aos novos questionamentos realizados pelo seu administrador. Ou, ainda, p ara nós, leigos, numa explicação bem rasa, é juntar inteligência artificial, IoT (Internet das Coisas) e análises digitais para dirigir ações mundiais. Lembrando que o mundo assistiu à primeira revolução industrial, no final do século XVIII, quando se usaram motores a vapor e água como fonte de energia.
A segunda revolução industrial ocorreu entre 1870 e 1914, com a utilização de telégrafos, ferrovias e eletricidade nas indústrias. A terceira revolução industrial, ocorrida entre 1950 e 1970, é conhecida como Revolução Digital ou Era da Informação, dos eletrônicos, da TI e das telecomunicações. Então “…tendo estas tecnologias como fundação, a indústria 4.0 tende a ser totalmente automatizada a partir de sistemas que combinam máquinas com processos digitais – a fábrica inteligente” .
De repente, a criação de milhares de startups! No lado financeiro, as Fintechs, no jurídico, as Lawtechs. Levanta-se a tese de que, na questão das organizações criminosas (orcrim) podem surgir (ou já surgiram?) as ”criminaltechs”, para dar suporte à criminalidade 4.0.
Com o ambiente de negócios do crime já instalado (inclusive de forma transnacional, como se vê da vinculação da máfia italiana com organizações criminosas cariocas e paulistas, de traficantes a milicianos; com um fluxo constante de material, armas e drogas, dentro da cadeia internacional de produção/serviços, com financiamento abundante através das transações financeiras internacionais – corrupção, sobrepreço em transações, tipo esportes, apostas, bitcoin, comércio militar não contabilizado, tráfico de drogas, pessoas, bancos, etc.), pode ocorrer a criação de milhares de startups e franquias de grandes conglomerados do crime, na forma de facções ou pequenas orcrim.
Isso deve acontecer de forma disseminada e, portanto, cada pequena orcrim terá apenas de se acoplar a uma das centenas de canais oferecidos para divulgar o seu produto.
Logo, um novato empreendedor do crime pode verificar a relação de oferta e demanda de produtos criminosos (drogas, armas, proteção, evasão fiscal, moradia, órgãos humanos, etc.) em uma determinada região e buscar, com a empresa de crime local, uma “sociedade/parceria” para o desenvolvimento da criminaltech.
Se a ideia for boa, a orcrim maior permitirá (e até indicará) os acessos ao crédito e ao mercado, recebendo uma gorda porcentagem. Lamentavelmente, com auxílio de certas bancas de advogados e contadores, especializados no tema e disponíveis no mercado, bem como de contatos no Estado, que as orcrim já possuem (quase em um sistema de cooperativa), a empresa crescerá sob a égide da livre iniciativa criminosa.
Se a empresa tiver sucesso e ficar maior que o primeiro arco de orcrims, haverá problemas de contrafação, concorrência “desleal”, briga pelo market share (quota de mercado).
Certamente, isso aumentará a violência no ambiente e, observando o sistema de controle, as orcrims maiores (inclusive os financiadores) terão de intervir, para que o ambiente de negócios não seja contaminado, resultando no aumento desenfreado de confrontos.
Dentre os argumentos contrários à liberação de drogas, transformando o Brasil em um grande entreposto, a hipótese de pulverização das criminaltech, provocando a elevação de confrontos e, consequentemente, a escalada da violência, é contundente.
O problema estaria em uma faceta do sistema capitalista, que evidencia ser, por natureza, autofágico, ou seja, ele vive de crises periódicas provocadas também pelo excesso de ganância, busca de poder e controle. A tendência é o poder subir à cabeça de quem está em ascensão, perdendo o contato com a realidade e saindo do controle do sistema criminoso, exatamente em razão de pensar que não pode ser atingido.
A ideia de “Polícia 4.0” é dar efetividade à concertação de políticas públicas e ação policial, para aumentar e difundir o risco da atividade criminosa e diminuir sua lucratividade na base, com ênfase para o trabalho de inteligência. Desenhado, conhecido o fluxo do dinheiro (que poderá chegar aos bancos, ao Estado, ao comércio exterior, ao esporte, etc.) há o ataque às artérias que estão se formando, antes de se capilarizarem. É claro que isso já foi pensado e não é realizado por falta de gestão eficiente, mas, entende-se, isso pode ser diferente. Basta planejar, observando, também, características de um ambiente de negócio, embasado em uma “Polícia 4.0”.
E isso já está passando da hora, pois a Sociedade 5.0, “… a tecnologia centrada na humanidade para nos ajudar a aproveitar a vida da melhor maneira possível”, conforme Yoko Ishikura, consultora do Fórum Econômico Mundial, já está batendo em nossa porta. Para isso, ela defende três valores-chave: sustentabilidade, abertura e inclusão.
Ora, isso é tudo que a Polícia quer!
Afinal, na medida em que a Policiologia se fortalece, fica evidente que a criminalidade é um macrofenômeno sociopolítico e, não, um microfenômeno policial. Apenas.