*Por Ramon Melo Fontich
Nosso cotidiano é formado de condutas, positivas e negativas (abstenções/inércia), que, somadas a nossa intenção, promovem o infindável fluxo de direitos e obrigações em nossas relações jurídicas.
Muito embora esse resumo do nosso cotidiano pareça ser distante, nossas condutas, seja ao adquirir os pães para o café da manhã seja ao realizar o pagamento de um estacionamento, importa em distintos tratamentos jurídicos. Tais normas determinarão uma série de consequências para a prática de tais atos, incluindo, por exemplo, o dever de indenizar.
Imaginemos, você e sua família resolvem visitar o melhor shopping da capital mineira, reconhecido por lojas de excelente qualidade, segurança e comodidade. Mas, com isso, invariavelmente vem aquela cobrança de estacionamento e, normalmente, em preço nada módico.
Agora, imagine, se mesmo que após efetuar o pagamento de um estacionamento, em valor considerável, o seu veículo tenha o vidro quebrado e as malas de seus familiares tenham sido subtraídas, ocasionando um prejuízo considerável.
Nesta hipótese, vislumbrando excluir sua responsabilidade pela indenização das malas, sem sombra de dúvidas o shopping alegará caso fortuito e força maior, isto é, que o furto das malas seria um fato alheio à sua vontade, imprevisível e impossível de evitar, razão pela qual não teria que ressarcir seus familiares, nos termos do art. 393, do Código Civil .
Ora, seria mesmo esse o caso?
Além dos requisitos constantes do art. 393, do Código Civil, a Doutrina e a Jurisprudência passaram a exigir, dentre outros, que o evento danoso (p. ex. furto das malas) seja um acontecimento inimaginável dentro da atividade explorada (no caso comércio do shopping) –, instituto jurídico que denominamos de fortuito externo.
Assim, os eventos danosos que estejam intrínsecos na atividade explorada (fortuito interno), como p. ex., assalto à banco no caso de atividade bancária ou defeito mecânico de aeronaves no caso de transporte aéreo de passageiros, tais riscos são, naturalmente, anuídos pela empresa quando da exploração da atividade, portanto, fogem do requisito da imprevisibilidade.
Portanto, o requisito da imprevisibilidade deve ser analisado em cotejo com o risco tacitamente assumido na atividade explorada. A título de exemplo, seja ao cobrar pela utilização de estacionamento (fortuito interno), ou quando o estacionamento é fornecido de forma gratuita, mas incute nos indivíduos legítima expectativa de segurança, no intuito de se beneficiar indiretamente (mediante aumento do fluxo de clientes), a empresa atrai para si o ônus de zelar pelos veículos estacionados.
Por outro lado, quando o evento não tem nexo causal com a atividade explorada, o entendimento é que se trata de verdadeiro caso fortuito ou de força maior, especialmente em razão de sua imprevisibilidade, conforme entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Assim, a evolução da jurisprudência e da doutrina para fins de configuração de caso fortuito e força maior, passaram a exigir uma análise mais aprofundada do requisito da imprevisibilidade. Isto é, sua análise não deve ser promovida de forma isolada, mas ponderada com a natureza da atividade explorada na espécie.
(*)Ramon Melo Fontich é advogado com atuação voltada para o contencioso. Possuo experiência em atuação de processos judiciais estratégicos, especialmente nas áreas de direito civil, imobiliário, empresarial e administrativo
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