Por Walter Biancardine
Não há um só pingo de honestidade intelectual na abordagem adotada pelos operadores do Direito e, é claro, pela mídia tradicional ao tentarem mascarar a verdade óbvia de que a atuação processual “fora do rito” implica em ações ilegais, sem a forma que é imposta pelo devido processo.
Este eufemismo está sendo adotado pelos grandes jornais e TV’s para amenizar o inaceitável, que é a atuação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, nos moldes que foi revelada pela reportagem de Glenn Greenwald e Fábio Serapião, na Folha de São Paulo.
A analogia escancarada no título deste artigo de opinião faz uma comparação óbvia: se o adultério é inaceitável, algo que a absoluta maioria das pessoas possui opiniões fortes e formadas sobre o tema – não há como amenizar um par de chifres sob a capa de “um amor fora do rito”, a dor é a mesma – assim são os atos ilegais deste Moraes, arrogando para si um lugar acima das leis e tomando decisões arbitrárias: as consequências são igualmente destrutivas e não serão palavras bonitas que atenuarão a gravidade dos fatos – vitimados por chifres ou abusos de poder togado, casamentos e democracias naufragam sob o signo da traição à confiança.
A advogada e jornalista mineira Cláudia Wild descreveu primorosamente tal situação, em uma postagem no X-Twitter: “Encarar abusos processuais como algo desimportante e sem correlação direta com o mérito do que se aprecia, é desonesto demais. É desmerecer séculos do aperfeiçoamento e da evolução da civilidade humana. É reconhecer que caímos num fétido, mas aceitável autoritarismo. É concordar que o arbítrio dos tiranos pode ser admitido em nome de interesses escusos. É, em última análise, apoiar um sistema que estrangula a passos bem largos aquilo que se descreve como democracia. Minimizar ou relativizar fatos graves, como estes que acontecem na atualidade, é ser cúmplice ativo na trama toda. É defender o indefensável.”
Por outro lado, no livro “Introdução à Ciência do Direito”, o jurista Miguel Reale cunhou a expressão “jurisfação”, que seria o ato de tornar tudo em algo jurídico, e citava “a progressiva jurisfação da vida social”, onde as relações humanas se invalidavam perante as relações legais.
O filósofo Olavo de Carvalho considera tal processo avassalador, destituído de quaisquer limites, sendo a regulação legal a única verdade aceita. Ora, diz Olavo que um dos elementos fundamentais para a existência de uma democracia é um Poder Legislativo atuante e “soberano” (sic) perante o Executivo e Judiciário, visão a qual só concordo se o sistema de governo for parlamentarista.
Em meu ponto de vista – divergente de meu professor Olavo – o Judiciário é uma instituição perigosa, a qual deve ter sua presença na composição dos Poderes regulada por princípios homeopáticos, ou encontrará todas as portas abertas para impor o pesadelo de Rui Barbosa, que vaticinava: “A pior ditadura é a do Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.
O fato é que a realidade em que vivemos é a do Estado cada vez mais dominante, regulador, interventor e que traveste o abuso em “garantias de nossos direitos e liberdades”, expressão muito cara às facções progressistas no Congresso.
Em nada resulta a tentativa da grande mídia em relativizar as ilegalidades, chamando-as de “fora do rito”, quando nosso cotidiano é preenchido por um Estado dominante e que, através da – agora demonstrada, pela Folha de São Paulo – hipocrisia do Poder Judiciário, objetiva nos controlar, adestrar e, principalmente, amansar.
Ao que parece o Congresso finalmente acordou e, ainda que letárgico e sonolento, procura fazer algo de efetivo para dar um basta no “Reino de Alexandria”.
Se aos conservadores unem-se elementos sabidamente do sistema, com o fim de expurgar um dos seus, pouco importa: o que nos une vai até o impeachment. Depois, é cada um por si.
(*) Walter Biancardine é jornalista, analista político e escritor. Foi aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, autor de três livros e trabalhou em jornais, revistas, rádios e canais de televisão na Região dos Lagos, Rio de Janeiro