(*) Walter Biancardine
Escrito entre 1958 e 1967, o livro “Arquipélago Gulag”, de Aleksander Soljenítsin, transformou-se em poderosa arma de denúncia contra o regime soviético. A experiência do autor e os testemunhos de outros prisioneiros, por ele recolhidos, revelaram monstruosas verdades sobre os campos de detenção e de trabalhos forçados da URSS, uma história de horror com milhões de vítimas.
Detido e condenado em 1945 por uma crítica a Stalin, o jovem Soljenítsin conhece durante 11 anos a brutalidade do cárcere russo; dos campos de trabalho e “reeducação ideológica” aos institutos científicos e prisões políticas. Ele havia entrado no submundo secreto dos Gulags, sigla para Administração Central dos Campos, formado por mais de 400 “ilhas”.
Os “traidores da pátria” eram deportados para lugares inóspitos, desertos de gelo, tundra e estepe, onde trabalhavam mais de 16 horas por dia, com temperaturas de 50 graus abaixo de zero e uma ração diária de 400 gramas de pão. O modelo que Vladimir Lenin idealizara crescera com Joseph Stalin, e as purgas e perseguições não tinham limite.
Alguma semelhança entre “traidores da pátria” e “atentado violento contra o estado democrático de direito”? Faltam mais dados? Pois prossigamos:
A China confirma a existência, em seu território, de campos de “reeducação ideológica” onde são enviados os presos com suspeitas de ligações com terrorismo, mas nega quaisquer maus-tratos e torturas nos mesmos, afirmando que seus campos de reeducação não são cadeias: “Os centros de educação e treinamento em Xinjiang são escolas, não ‘campos de concentração’. Todos os centros possuem departamentos médicos, que oferecem serviços gratuitamente aos trainees”, declarou um porta-voz do governo ao jornal estatal Global Times.
Segundo as autoridades, lá as pessoas aprendem mandarim e têm acesso a cursos de requalificação profissional – além de, é claro, serem “reeducadas” sobre as maravilhas e benefícios da ditadura comunista como forma de governo. Desnecessário dizer que os “alunos” que não “assimilarem” as matérias lá permanecerão, até que seus cérebros estejam moldados, ou melhor, reeducados.
E aqui, no Brasil?
Vejamos a matéria da Revista Oeste, recém publicada: “Hitler foi um ditador de direita e esse espectro político é um dos responsáveis pelo Holocausto”; “O STF é o Poder Moderador”; “As Forças Armadas são submissas ao tribunal”; “A urna eletrônica é segura e há lisura no processo eleitoral”.
Esses são alguns tópicos que uma professora paulistana de 47 anos teve de escutar durante o “Curso da Democracia”, oferecido a presos por causa do 8 de janeiro que assinaram o acordo de não persecução penal (ANPP) da Procuradoria-Geral da República (PGR).
O ANPP é uma forma que o ministro “Que Não Se Pode Dizer o Nome”, do “Órgão Que Não Pode Ser Citado”, encontrou para se livrar de milhares de pessoas acorrentadas a tornozeleiras eletrônicas e perturbadas diariamente por “medidas restritivas” há mais de um ano.
O acordo da PGR é oferecido apenas aos detidos no Quartel-General do Exército, em Brasília, em 9 de janeiro de 2023. Quem não aceita a proposta corre o risco de ir ao julgamento em “lotes” no plenário virtual do STF e passar os próximos 17 anos na cadeia, diz a reportagem da Revista Oeste.
Pouco variam os métodos e ações, empregados pelas ditaduras, ao redor do mundo e no decorrer da história. Imobilizam-se líderes opositores (Bolsonaro inelegível), prendem-se correligionários de destaque e os submetem à tortura (Daniel Silveira e Filipe G. Martins), bem como empregam violenta repressão contra manifestantes populares com o objetivo de intimidá-los. Com as ruas vazias demonstram, assim, a “calma e satisfação do povo com o regime”.
Alguns desses manifestantes presos são mortos (Clezão), torturados ou “reeducados” através deste pavloviano processo de lavagem cerebral – virtual “lobotomia” – empregado pela ditadura, tal como sofreu a professora paulistana, de 47 anos, cujo nome não foi revelado pela reportagem da Revista Oeste da qual, bem como de vários outros detidos, extraiu tais informações.
Temos diante de nós um indivíduo de cor vermelha, com chifres na cabeça, rabo pontudo, cascos de cabra no lugar de pés e que segura um tridente – mas afirma, de modo veemente e por todos os meios “jurídicos”, que não é um diabo.
O julgamento – e eventual exorcismo – é por conta do leitor.
Bom domingo a todos.
(*) Walter Biancardine é jornalista, analista político e escritor. Foi aluno do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho, autor de três livros e trabalhou em jornais, revistas, rádios e canais de televisão na Região dos Lagos, Rio de Janeiro