Por William Saliba
O anúncio do atual ocupante do Palácio do Planalto de que “não vamos comprar apenas um, mas alguns aviões” soou como uma nota desafinada em um momento de crise econômica. O Brasil enfrenta desafios fiscais significativos, com o déficit primário beirando os R$ 100 bilhões. Em meio a cortes em áreas essenciais, como educação e saúde, e debates intensos sobre a necessidade de ajuste fiscal, a compra de aeronaves para uso da Presidência e ministros parece, no mínimo, um descompasso entre discurso e prática.
O incidente com o “Aerolula”, o Airbus A-319-ACJ adquirido em 2005 por R$ 500 milhões, foi usado como pretexto para a renovação da frota. A aeronave precisou voar em círculos no México para queimar combustível antes de pousar, o que, segundo o presidente, evidencia a necessidade de modernização. Entretanto, especialistas e críticos de dentro e fora do governo argumentam que o avião presidencial está longe de ser obsoleto, e que o episódio pode ser mais um reflexo de um evento isolado do que de uma falha sistêmica na frota aérea.
Esse tipo de gasto é visto por muitos como extravagante, uma clara contradição entre as promessas de campanha e a ações atuais do governo. Ao mesmo tempo, a polêmica sobre a aquisição de novos aviões desvia a atenção de problemas mais urgentes que afetam diretamente a vida dos brasileiros.
A situação de declarações fora de contexto neste final de semana ganha contornos ainda mais curiosos quando analisamos o cenário político latino-americano. No mesmo período, Tarek William Saab, procurador-geral da Venezuela e figura de destaque no governo de Nicolás Maduro, acusou Lula e o presidente do Chile, Gabriel Boric, de serem “agentes da CIA”.
As declarações, embora pareçam absurdas, ilustram a complexidade e a fragmentação da esquerda na América Latina. Lula, que já foi uma referência de resistência ao imperialismo, agora é acusado por setores mais radicais de estar a serviço dos Estados Unidos.
Essa dualidade dentro da própria esquerda levanta uma pergunta inquietante: qual é, de fato, a linha que separa a coerência ideológica da alienação ou do fundamentalismo? A esquerda latino-americana, que já foi unida por um discurso de justiça social e soberania nacional, parece agora fragmentada em disputas internas e acusações mútuas. E no Brasil, essa fragmentação reflete-se em decisões governamentais que parecem divorciadas da realidade econômica.
A compra dos aviões é apenas um exemplo de como prioridades mal alinhadas podem corroer a confiança pública. Enquanto o governo tenta justificar o gasto como uma necessidade de segurança e operacionalidade, a percepção pública é de que há um distanciamento cada vez maior entre os interesses do poder e as necessidades reais da população. Em um país onde o transporte público é precário, onde hospitais carecem de equipamentos e onde o desemprego ainda aflige milhões de famílias, gastar milhões em aviões para ministros soa, no mínimo, como um luxo desnecessário.
Lula, assim como outros líderes progressistas da América Latina, precisa reavaliar suas ações à luz das necessidades reais do povo de seus países.
O discurso da esquerda está nos enlouquecendo ou eu já não entendo mais nada.
– Para o mundo que eu quero descer!”