Por William Saliba
A eleição no município de Solidão, em Pernambuco, realizada ontem, 6 de outubro, expôs uma das mais curiosas ironias da política brasileira: uma cidade com apenas um candidato a prefeito e nenhuma opção de escolha para seus eleitores. Mayco da Farmácia (PSB) foi eleito com 100% dos votos válidos, somando 4.207 votos.
Solidão, com seus 5.405 habitantes, não é apenas um nome que sugere isolamento geográfico. O cenário eleitoral deste ano sugere um isolamento ainda mais profundo: o da ausência de pluralidade política. O pleito, marcado pela ausência de concorrentes, faz refletir sobre a real liberdade de escolha dos cidadãos. Seria Solidão um reflexo de um problema maior que aflige o sistema eleitoral do país? A resposta, infelizmente, parece ser sim.
Mas o caso de Solidão não é um fenômeno isolado. Pelo contrário, ele reflete uma distorção mais ampla do sistema político brasileiro, que sofre com um número excessivo de partidos, muitos deles sem representatividade real ou ideologia clara.
Atualmente, o Brasil conta com 29 partidos políticos, todos financiados pelo Fundo Eleitoral, ou seja, pelo contribuinte. Em países de democracias consolidadas, como os Estados Unidos ou o Reino Unido, o número de partidos que realmente disputam o poder não passa de dois ou três. No Brasil, tal multiplicidade de legendas não resulta em maior diversidade de ideias, mas, muitas vezes, em fragmentação do debate e uso estratégico do sistema para fins que pouco têm a ver com o interesse público.
Em Ipatinga, cidade polo da Região Metropolitana do Vale do Aço por exemplo, o cenário é o extremo oposto: dez candidatos se inscreveram na disputa do cargo de prefeito.
O excesso de candidatos também não garante um debate qualificado. Afinal, muitos dos postulantes são figuras que pouco ou nada acrescentam à discussão pública, o que, em alguns casos, reforça o cenário de desconfiança e desilusão com a política. Soma-se a isso o fato de o atual prefeito Gustavo Nunes (PL), reeleito, estar envolvido em mais de uma dezena de inquéritos e processos judiciais, o que lança ainda mais dúvidas sobre a qualidade das opções disponíveis.
A questão fundamental, tanto no caso de Solidão quanto no de Ipatinga, é a seguinte: o que está acontecendo com o sistema político brasileiro? Se, de um lado, temos a ausência de concorrência, de outro, temos uma superabundância de candidaturas. Em ambos os casos, o eleitor sai perdendo. Ou lhe faltam opções, ou é bombardeado com alternativas de qualidade duvidosa.
A solução para esse dilema não é simples, mas passa por uma reforma política profunda. O modelo atual, que permite a proliferação de partidos sem ideologia clara e a manutenção de políticos eternamente envolvidos em processos judiciais, precisa ser revisto.
O debate sobre a redução do número de partidos no Brasil, por exemplo, é uma pauta que deve ser encarada com seriedade. Países que possuem democracias mais maduras tendem a concentrar suas forças políticas em poucos partidos, o que facilita a governabilidade e o entendimento por parte do eleitor. A criação de barreiras mais altas para a criação e manutenção de partidos poderia ser um caminho para reduzir a fragmentação e melhorar a qualidade do debate público.
Além disso, é preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização e punição para aqueles que se candidatam com a ficha suja ou que utilizam o sistema eleitoral para fins escusos. A política não pode continuar sendo vista como um jogo de interesses pessoais, mas sim como um espaço de construção coletiva, em que o foco sejam as necessidades da população.
No entanto, mais do que uma reforma institucional, é necessário um despertar da consciência cívica. Eleições como a de Solidão mostram que, sem uma sociedade ativamente engajada e que cobre mudanças, o sistema continuará a funcionar de maneira ineficiente. A democracia deve ser plural, mas não pode ser caótica ou inócua. E o eleitor deve ter, sempre, o direito de escolher – de verdade.
Em Solidão, a eleição pode ter sido tranquila, mas o silêncio das urnas ecoa um grito por mudanças. Contraditoriamente, a tumultuada eleição de Ipatinga também clama para urgência de uma reforma.
Tanto lá como cá, a democracia só perde.