Por William Saliba
Depois do imbróglio da Usiminas no Brasil, em uma longa disputa judicial com o Grupo Ternium Techint para o controle da gestão da siderúrgica mineira, a Nippon Steel, maior siderúrgica do Japão, volta a enfrentar um novo e complexo desafio. Agora nos Estados Unidos, com a intenção do grupo japonês em adquirir a U.S. Steel, uma das mais tradicionais empresas americanas.
Em um contexto de resistência política e argumentos de segurança nacional, a transação coloca em evidência não apenas o destino da indústria siderúrgica americana, mas também o papel de aliados estratégicos em tempos de incerteza econômica e geopolítica. O debate expõe tensões históricas sobre controle estrangeiro em setores chave, principalmente em um cenário de polarização política nos EUA.
O interesse da Nippon Steel na U.S. Steel não é uma mera transação comercial. Trata-se de uma tentativa de modernizar uma indústria que, há décadas, foi símbolo da força industrial americana, mas que, nos últimos anos, tem perdido relevância. Com o apoio de funcionários da própria U.S. Steel, que veem no investimento japonês uma chance de revitalizar suas operações, o acordo tem tudo para ser benéfico. No entanto, a resistência ao negócio não se restringe às questões econômicas.
A administração do presidente Joe Biden, assim como o ex-presidente Donald Trump e o candidato a vice-presidente, senador JD Vance, têm se posicionado contra o acordo, levantando preocupações de que o controle de uma empresa estratégica por estrangeiros poderia comprometer a segurança nacional. Esse argumento é reforçado pela necessidade de se monitorar quem possui as indústrias essenciais do país, especialmente em tempos de crescente competição com potências como a China.
Porém, o que parece mais relevante, ainda que não explicitado, é o constrangimento que essa aquisição impõe. A compra da U.S. Steel por uma empresa estrangeira remete a um passado não tão distante, quando os Estados Unidos lideravam o setor manufatureiro global. Nas últimas décadas, entretanto, a desindustrialização e a transferência de produção para o exterior enfraqueceram a capacidade do país de competir globalmente, especialmente em setores tradicionais como o aço.
O Japão, além de ser um aliado militar de longa data dos Estados Unidos, tem sua sobrevivência econômica e geopolítica profundamente ligada à força americana. Uma América fraca representa uma ameaça direta à segurança japonesa, que depende do suporte militar dos EUA para manter sua independência frente à China e outros adversários regionais. Logo, o fortalecimento de uma indústria como a siderúrgica nos EUA, com capital japonês, não apenas beneficiaria a economia americana, mas também asseguraria a estabilidade da aliança entre os dois países.
Os opositores do acordo também levantam a questão das operações da Nippon Steel na China, temendo que essa relação possa comprometer a segurança americana. No entanto, a Nippon Steel não está sozinha em seus negócios com o país asiático. Empresas americanas como Boeing, General Electric e Tesla têm feito muito mais para fortalecer a economia chinesa nas últimas décadas, sem que isso levante o mesmo nível de preocupação. Se há um risco real de segurança, ele deve ser avaliado com cuidado, mas sem o viés de agradar a interesses protecionistas ou sindicais.
O debate sobre a venda da U.S. Steel vai além de números e política. Ele toca em uma questão emocional profunda: o desejo de que o “time da casa” vença. Existe um sentimento de que o controle estrangeiro sobre uma indústria tão simbólica como a do aço seria uma derrota para o orgulho nacional. Isso é particularmente forte em um país que viu sua supremacia industrial ser desafiada por décadas de globalização.
Contudo, essa visão ignora o fato de que a economia global está interconectada. A entrada de capitais estrangeiros não significa, necessariamente, uma perda de soberania. Muito pelo contrário: pode representar uma oportunidade de revitalização, como demonstrado pela presença de outras empresas japonesas, como Toyota, Nissan e Honda, que juntas empregam mais de 450 mil americanos. A participação estrangeira, especialmente de aliados, pode ser uma força motriz para a inovação e crescimento econômico.
No fim das contas, a resistência ao acordo Nippon Steel–U.S. Steel parece ser movida mais pelo medo do que por uma análise racional dos benefícios. A modernização da U.S. Steel, financiada por um aliado estratégico, tem o potencial de fortalecer tanto os Estados Unidos quanto o Japão. A longo prazo, manter a U.S. Steel sob um controle enfraquecido e sem os investimentos necessários para competir globalmente é um risco maior do que aceitar o capital estrangeiro.
Engolir o orgulho, como fizeram no passado com o setor automotivo, pode ser o caminho mais sensato. A revitalização de indústrias essenciais não precisa ser feita de forma isolada, e alianças econômicas fortes podem garantir a prosperidade de ambas as nações. É hora de repensar se o protecionismo exacerbado serve realmente aos interesses americanos ou se parcerias como a proposta pela Nippon Steel podem ser o caminho para um futuro mais próspero e competitivo.