Finalmente, foi revelado o grande segredo da “PEC DA SEGURANÇA”. Oficialmente, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, pois, oficiosamente, a imprensa já havia divulgado maioria dos itens que a compõem. Observa-se que não é tão boa, quanto deveria ser, nem é uma caixa de Pandora, como alguns pressupunham.
O fato de o governo central convidar governadores para discuti-la, foi declarado pelos convidados como um gesto de boa vontade, para se encontrar soluções que, se não resolvam, pelo menos minimizem, a níveis socialmente toleráveis, a inquietante, preocupante e angustiante insegurança provocada pela criminalidade, principalmente a violenta.
Na verdade, a reunião transformou-se em manifestações individuais, visando a apresentar proposta, ao senhor ministro da Justiça e Segurança Pública, para que seja firmado um Pacto Federativo para enfrentamento da criminalidade, que deve ser discutido à exaustão, antes de ser enviado ao Congresso. Não se discutiu, portanto, uma PEC da Segurança, mas uma PEC para contenção da criminalidade, visto que trata somente desta ameaça, vale dizer, não abordou as demais, ou seja, a exclusão social, os desastres, as conturbações e as comoções sociais.
O tripé da PEC – percepção restritiva – demonstra isso: Constitucionalização do SUSP; Atualização das competências das Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal; Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária na Constituição.
E, por óbvio – que ainda não foi percebido pelo ministro (abordamos essa questão em artigo anterior) – por mais Poder, Força, Tecnologia, ou, de outra forma, como aventado na reunião, por mais Investimentos, maior Integração (na verdade, é Interação) e maior priorização em Inteligência, os resultados, certamente, serão pouco significativos, porque insiste-se em pesquisar e mitigar o “quê” está acontecendo (número de crimes, tipos, incidência, frequência, etc.) em lugar do “por quê” está acontecendo (quais são as causas, quais são os efeitos?).
A missão continuará sendo encher o Tonel das Danaides, até que esses vetores sejam estudados e corrigidos. A premissa, portanto, está equivocada, quando se trata a criminalidade como sendo, tão somente, um problema de Polícia, quando a realidade fática nos mostra que esse grave fenômeno social decorre de uma grave e complexa vulnerabilidade sociopolítica.
A primeira proposta é constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP, criado pela Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018), para atuar nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS). Sem dúvida, a falta de coordenação é uma enorme vulnerabilidade. Respeitada a Teoria das Realidades Culturais Diferentes, a proposta é aceitável, se ficar claro que o ministro da Justiça será o coordenador daquele sistema e não o gestor, como o é o Ministério da Saúde em relação ao SUS. Em que pese ter sido dito, exaustivamente, que um dos objetivos é a busca da efetividade, através da Integração (de integrar, unir, fundir) observa-se que, nos parece, o que se pretende consolidar é a Interação (entrosamento, reciprocidade) ou a palavra composta “Integração de esforços”.
A PEC altera artigos da CF/88 “… de modo a conferir à União a competência para estabelecer diretrizes gerais quanto à política de segurança pública e defesa social …”. O verbo “estabelecer” não está bem colocado, pois é dúbio: “fixar, ditar, impor”? Ou seria “sugerir, propor”?
Segundo exposição do ministro Lewandowski, “a segurança pública precisa falar a mesma língua”. É verdade! Um grande calcanhar de Aquiles, certamente, é a terminologia.
É notória a falta de conceituação genuína. Por exemplo, fala-se em Conselho, Política, Sistema, Plano de Segurança Pública e Defesa Social.
Afinal, o que é isso? Segurança é sinônimo de Proteção, de Defesa, de Negócio, de Profissão ou é um ambiente? E Segurança Pública é correr atrás de ladrão e prender bandido, é sinônimo de Contenção Criminal, apenas? E Defesa Social, o que vem a ser? É a antiga (de Platão), a nova (de Marc Ancel) ou a novíssima (da Policiologia)?
Com a PEC, o governo federal pretende “Padronizar protocolos, informações e dados estatísticos”. Quero crer que, para não ferir a autonomia administrativa dos Estados membros, através da PEC “pretende apresentar propostas, sugestões de …”, o que seria muito bom, principalmente em relação à estatística policial, hoje apresentada por entidades particulares, disfemistas policiais, em maioria.
A atualização das competências da PF e da PRF, de acordo com o que já acontece na prática, é uma confissão explícita de que (embora ambas realizem trabalho de excepcional valor) essas instituições policiais excedem a missão constitucional. E a Força Nacional de Segurança Pública (que existe de fato, mas não de direito) sequer foi mencionada. Segundo o MJSP, “o modelo dos Estados e do Distrito Federal, de duas forças policiais com funções distintas, merece ser replicado no âmbito da União”.
A ideia de simetria é boa, porém, a forma de operacionaliza-la é muito ruim. Primeiro, nos Estados, as duas forças, as Forças Públicas Estaduais são a Polícia Militar (PM) e o Corpo de Bombeiros Militar (CBM). A Polícia Civil (Polícia Judiciária Estadual) tem Poder de Polícia, mas não é força (embora, em alguns Estados, a exemplo da União, às vezes extrapola, realizando ações de Polícia Ostensiva).
A Força Pública Federal (que pretendem criar) pode advir do reconhecimento constitucional da Força Nacional de Segurança Pública, com estrutura e organização próprias. Liberaria a PF de atividades de Polícia Ostensiva, para se concentrar na Investigação, que realiza exemplarmente. Com o crescimento do crime cibernético, a demanda de sua intervenção tende a aumentar consideravelmente.
Por que ampliar competência da PRF, que realiza trabalho específico de reconhecida qualidade? Veja-se a capilaridade na Medicina, onde de médico generalista passamos a ter especialistas, que se subdividem em experts.
Quanto à Polícia Ferroviária Federal, já na CF, a hora é de instrumentalizá-la. O ideal é que, além da FNSP, outras Instituições, que realizam a atividade de Polícia em portos, aeroportos, hidrovias, etc., sejam inseridas na CF, compondo, efetivamente, um sistema.
Em sua exposição, o senhor Ministro citou quatro exemplos do que não se pretende com essa PEC: Não centraliza o uso de sistemas de tecnologia da informação; não intervém no comando das polícias estaduais; não diminui a atual competência dos Estados e Municípios; não cria novos cargos públicos. Exceto o último, os demais são extremamente positivos.
O fato de não criar cargos públicos, não pode tornar-se uma obsessão. Não há como fazer omelete sem quebrar os ovos. Deve ser feita, sim, uma análise de custo-benefício. Para essas reformas preliminares é necessário que se invista em tecnologia, mas, também, em pessoal qualificado.
Em sua intervenção, o senhor ministro Flávio Dino, lembrou que há vinte anos vêm sendo implementados o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), sendo a avaliação altamente positiva. E sugere, lembrando a interação de órgãos, que essa concepção se estenda à Segurança Pública.
Na verdade, já existe um Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, cujo fim, dentre outros, é apresentar diretrizes para as políticas públicas de Segurança Pública e Defesa Social (o que, aliás, jamais foi feito). Seus integrantes, possivelmente, têm muito conhecimento, mas não têm a expertise de profissionais da área, decorrente do somatório de conhecimento e de experiência secular adquirida. Assim, para exame e manifestações técnicas, relativas à área da salvaguarda social, seria oportuno criar o Conselho Nacional de Polícia.
Por fim, foram mostradas as alterações constitucionais necessárias à implementação dos dispositivos da PEC apresentada. Discordâncias implícitas e explícitas em relação à expedição de diretrizes vinculantes, como cabrestos. Volta-se à Teoria das Realidades Culturais Diferentes!…
E a discussão está aberta. O que é muito positivo!…
(*) Coronel Veterano da Polícia Militar de Minas Gerais. Foi Comandante da Região Metropolitana de Belo Horizonte