Por Edmundo Polk Fraga (*)
Na minha infância, passávamos horas olhando para o céu, admirando pipas coloridas de diferentes formatos e tamanhos, dançando ao sabor do vento. Mas que prazer é esse de soltar pipas? Naquele tempo, se eu perguntasse àquela molecada se o espaço tinha dono, a resposta seria um sonoro “não!”.
A diversão não estava apenas em ver a pipa subir; o mais empolgante era competir. A graça era “cortar” e “aparar” a pipa do adversário, em um jogo onde a lei do mais forte imperava. Contudo, os tempos mudaram. Hoje, as crianças quase não brincam mais nas ruas; trocaram as pipas pelos celulares. E o céu, que antes era palco de brincadeiras, tornou-se um espaço vigiado por homens crescidos e suas “pipas” do século 21.
Com 6.402 satélites orbitando a 550 km acima da Terra, a constelação da Starlink, da SpaceX, ocupa boa parte do céu. Seu objetivo oficial é fornecer internet banda larga a regiões remotas, onde a infraestrutura tradicional é inviável. Mas as antenas da Starlink vão além de um projeto humanitário: tornaram-se peças-chave nos tabuleiros geopolíticos e nos conflitos modernos.
Na Índia, por exemplo, o governo levantou preocupações sobre o uso das antenas da Starlink por grupos opositores para monitorar movimentações militares. Já na Ucrânia, a tecnologia foi amplamente utilizada para direcionar ataques contra as forças russas, levando Moscou a denunciar seu papel como ferramenta ofensiva. Essas situações mostram como o acesso à internet em áreas remotas desafia regimes autoritários e redefine a comunicação em zonas de conflito.
A proliferação da Starlink levanta questões cruciais sobre segurança nacional e soberania. Com a possibilidade de uso para espionagem ou ataques cibernéticos, muitos governos questionam os impactos dessa tecnologia. O próprio Elon Musk reconheceu os riscos de sua rede ser empregada para fins ofensivos.
Assim como as pipas tinham suas regras, o espaço também precisa de regulações claras. A comunidade internacional deve estabelecer diretrizes que garantam a segurança e a sustentabilidade das tecnologias espaciais, especialmente em tempos de guerra.
Talvez a resposta, agora, seja mais complexa. O céu deixou de ser apenas um espaço para brincadeiras e tornou-se um campo de disputas, onde o controle e o poder estão em jogo. Se antes a diversão era competir com pipas, hoje a competição envolve soberania e segurança global.
Afinal, o espaço tem dono?